quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Saudade do Rio Grande

Agora é lei no Rio Grande do Sul: proibiram as Shanas.

O juiz que criou essa restrição diz que é pra evitar o constrangimento futuro das crianças. Ele alega que as meninas seriam motivo de deboche, que sofreriam discriminações, essas coisas.

Não tá de todo errado o juiz: criança é mesmo cruel. Já primeiro anos é certo que um filho da putinha desbocado que vai dizer para os coleguinhas:

- Shana é a mesma coisa que perereca.

E daí é só a professora dizer:

- Shana, você pode apagar o quadro.

Que a molecada já começa a rir.

Mas isso é assim mesmo: na primeira vez dói, depois você acostuma e até se diverte. Pelo menos, é o que as Shanas dizem. Ou melhor, o que se diz a respeito delas.

O problema é proibir a Shana.
Eu sou contra.

Eu conheci algumas Shanas na minha vida e adorei. Inclusive, me afeiçoei a algumas delas. Mas isso é outra história.

Agora, até em Santa Catarina vão fazer piada com a gente.

-
Ceix num gostam di Shana? Então pódi mandá-lax pra cá...

Virar motivo de chacota até de catarina é de matar.

Mas fazer o quê? O juiz proibiu a Shana no Rio Grande.

Combina com o que a gente tenta vender lá fora. Que o Rio Grande é terra de macho, tchê!

Agora, então, é terra de macho por decreto.

O juiz baniu as Shanas.

Eu sou contra, já disse. Mas tem uns lugares onde a decisão fez o maior sucesso.

Lá em
Pelotas, por exemplo, a turma a-do-rou. Teve até uma Shanareta pra festejar a decisão. Shanareta é uma espécie de Mincareta. Ou é Micareta. Ah, sei lá, porra. É um tipo de carnaval de inverno. Carnaval fora de época.

Pois então rolou essa tal de Shanareta em Pelotas: a Bandalha saiu pra rua, a Charanga da Xavante também. Todo mundo vestido de mulher. Foi uma loucura.

Não, não foi uma loucura porque eles se vestiram de mulher. Isso é normal lá em Pelotas. Até pra ir à missa eles se vestem de mulher. É bonito de ver.
Porque eles são muito religiosos lá em Pelotas. Sodomitas, mas religiosos.

Bom, isso não vem ao caso.

Mas é que esse episódio da
Shanareta lembra, inclusive, um outro acontecimento semelhante lá em Pelotas.

Foi há mais tempo, na época em que um filme chamado
Da Terra Nascem os Homens, foi exibido lá.

Botaram o letreiro na fachada do cinema numa noite e a cidade amanheceu toda esburacada.

Eles acreditaram no letreiro. 


É o que a mãe de um amigo meu, que não era de Pelotas – mas era gay, dizia: bicha burra nasce homem, meu filho.

Pode crer.

Voltando à Shanareta, o negócio tava uma loucura lá em Pelotas.

Era um tal de passa mão na bunda de um, pega o pinto de outro, nófa, que loucura!, até que alguém explicou melhor a restrição do senhor juiz.

- Gen-te, só proibiram o no-me... Essas shanas nojentas vão continuar circulando por aí.

Foi uma revolta digna da queda da Bastilha quando eles descobriram isso.

Eu sei que eles aproveitaram que já estavam vestidos de mulher mesmo e tentaram dar o golpe: queriam deportar todas as PORTADORAS de Shanas do Estado.

É sério. Foi uma dificuldade conter a bicharada.

E tudo isso por quê? Porque o Juiz baniu a Shana no Estado.

Óbvio que já deu confusão em outros lugares também.

Teve
um gauchão lá de Livramento que se enfezou.

Dizem que o sujeito é peão numa estância. Quando se irrita com alguma coisa, vai até o campo e
dá um murro num touro. E o bicho cai desmaiadinho.

Isso é pra sentir a delicadeza da peça.

Pois a mulher do gaúcho emprenhou de novo. O gaúcho e a mulher dele já tinham uns outros quatro com uns nomes bem simples.

O mais velho era o Antônio. Depois vinha uma Sophia, uma Bibiana e o mais novo era Alexandre.

Já pra quinta criança a mulher do gaúcho embestou que ia dar um nome de gente importante. E ela passou as quarenta semanas da gravidez tomando mate, assistindo Sessão da Tarde e anotando os nomes dos filmes.

E o nome que ela mais gostou, adivinha qual foi?

Lógico. Shana.

É óbvio que a mulher do gaúcho não sabia que o juiz tinha proibido as Shanas.

E sem saber que ninguém mais podia ter uma Shana, ela pariu uma. Uma menina linda. Uma linda Shana, bem fofinha e rosadinha. Ou, como a própria mãe chamava, uma linda Shaninha.

Depois de levar a esposa e a mais nova integrante da família pra casa, o gauchão tocou direto pra cidade. Queria registrar a filha de uma vez.

O Gauchão tava que não se aguentava nas botas de tão faceiro.

Chegou no Cartório de Registros lá de Livramento e foi falando alto.

- Bom Dia, cumpadre Juarez! (Juarez era o dono do Cartório, já tinha registrado todos os filhos dele. Até era padrinho do mais novo.) Tô aqui pra registrar a minha mais nova. É uma guria linda, vivente.Toma aqui os papel do Hospital e toca esse registro.

O Gauchão era pai de tanto filho que o dono do Cartório já tinha até uma certidão de nascimento padrão pra ele com tudo preenchido: só com um espaço vago pra pôr o nome da criança, a hora do nascimento, essas bobagens.

- E como é que vai chamar a menina, cumpadre?

- Shana!


O Juarez se apavorou. Desde que criaram a restrição às Shanas no Rio Grande, ele nunca tinha se deparado com uma.

E pra piorar, a Shana era do cumpadre dele.

A Shana do Gaúcho mais tosco da fronteira do Brasil com o Uruguai. E não só do lado brasileiro da fronteira. Ele era o vivente mais tosco dos dois países. Quiçá do Mercosul.

O negócio ali era medonho.

- Olha, cumpadre. A menina não pode se chamar Shana...

- Deixa de bobagem, Juarez. Registra a guria de uma vez.

- É que tem um tipo de lei que proíbe o registro de crianças com esse nome aqui no Rio Grande.

- Mas de onde é que tiraram essa bobagem, cumpadre.

- É que tem gente que chama a genitália feminina assim...

- Isso não é nome de gentalha, índio velho. A patroa disse que isso é nome de gente importante. De artista de filme americano.

- Desculpe, cumprade.
Eu não disse gentalha. Eu disse genitália...

- Mas para de fala feito carioca, homem do céu. Fala como gente. Que diabo de genitália é essa???

- As partes da mulher, cumpadre...

- Mas de onde saiu essa besteira, cumpadre?

- É um juiz lá de Porto Alegre. Por quê?

O Gauchão pensou, pensou, saiu do Cartório, fumou um palheiro, pensou mais um pouco e voltou correndo pro cartório.

- Então bota o nome da guria de Buceta, cumpadre! Quero ver o fresco desse juiz me proibir!

O cumpadre Juarez até que tentou fazer o Gauchão mudar de idéia, mas daí o bagual já tinha empacado.

- Agora o nome da guria vai ser Buceta. Agora o nome da guria vai ser Buceta. Agora o nome da guria vai ser Buceta.

E não teve Cristo que convencesse o gaudério a mudar de idéia.

Mas o nome da guria logo mudou. Foi só o Gaúcho mostrar a certidão de nascimento da filha pra mulher que ela virou bicho.
Ainda tava toda arrebentada do parto, porque a Shana era enorme, mas deu uma tunda no marido.

Moral da história: a mais nova do Gaúcho acabou se chamando Maria.

Pensando bem, melhor assim, né???

Afinal, é um nome bonito e dentro da lei. Porque o juiz proibiu as Shanas no Rio Grande do Sul.

Obviamente, como tudo que é proibido, já existe mercado negro.

Não sabe???

Para com isso. É só olhar os classificados no jornal. Sem dúvida nenhuma, a oferta de Shanas é muito maior do que a oferta de empregos que pagam bem.

Bom, pra isso bastava ter uma única Shana em todo o jornal.

Mas essa coisa de salário em Porto Alegre é melhor não falar. Vai que alguém me deda pro chefe que
eu tô reclamando e eu vou acabar que nem as Shanas. Todo fudido...

Mas vamos voltar à oferta de Shanas nos classificados.

Tem Shana loira de verdade, Shana loira tingida, Shana morena sensual, Shana ruiva misteriosa, Shana coroa dominadora.

Tem Shana mulata destaque do carnaval do Rio de Janeiro, Shana que já trabalhou em filme pornô. E tem até Shana que não é Shana.

Porque assim como esse juiz que proibiu as Shanas, diz que tem muita gente que gosta dessas
Shanas Denorex. Essas que parecem que são Shanas, se vestem como Shanas... Mas não são.

Bom, os classificados têm páginas e páginas de Shanas. Esses são só alguns exemplos.

Falando em Shana batalhadora, dia desses
eu tive que resolver umas paradas no Centro e me deparei com uma espécie de Shopping das Shanas. São quatro andares com mais de 60 Shanas. Tem até um cara distribuindo panfletinhos na frente.

Fiquei até curioso.
Eu fui fiscal no vestibular quando eu tava na faculdade e nunca ouvi falar que uma sala tenha ficado lotada de Shanas.

E ali, em pleno Centrão, quatro andares delas.

Devia ser propaganda enganosa. Ou nome artístico.

Sei lá, de repente Shana pode ser apelido também.

- Oi, como é seu nome?

- Pode me chamar de Shana...

- E o seu nome de verdade, qual é?

- Bucetildes...

- Por favor, Shana. Pode passar.

Garanto que Bucetildes o juiz não proibiu.

Mas voltando às Shanas da noite, e quando a gente passa pela Farrapos??? Ali o senhor juiz não consegue controlar o livre trânsito das Shanas. A Farrapos é o lugar com mais Shanas por metro quadrado do Rio Grande do Sul.

Ali sim o bagulho é sinistro.

Ali o bicho pega, o pau come, o passarinho canta, a cobra fuma, o cavaco geme, a jiripoca pia. Enfim... Ali na Farrapos é foda.

E ali ninguém segura as Shanas. Nem o juiz que proibiu.

Mas
eu acho que se a gente vai proibir as Shanas, tem que pensar em proibir outros nomes também.

Quer ver?

Dênis?

Fora.

Carvalho?

Fora.

Dênis Carvalho?

Fora. Fora.

Jacinto?

Fora.

Jacinto Aquino?

Fora. Fora.

Jacinto Aquino Rego?

De jeito nenhum!

Jacinto Leite Aquino Rego?

Bom... Num caso desses, acho que o juiz ia desmaiar. Mas de inveja.

Sei lá. Dênis pode. Pinto pode. Rego pode. Jacinto pode. Wellington pode. Credisleine pode.

Shana não pode. Esse cara tá de sacanagem com a gente. Só pode.

O que
eu proponho é um movimento em defesa das Shanas.

Abaixo o preconceito!

Libertem as Shanas!

Não se escondam, Shanas. Saiam para a rua. Mostrem suas caras.

Eu abraço alegremente a causa das Shanas!

Vinde a mim as Shanas.

Mas só porque
eu sou um ativista dos direitos humanos.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008


Não que eu viva de mal com a vida.
Só tenho algumas divergências com ela.