quarta-feira, 21 de julho de 2010

Ela quer levar uns tapas na cara

Ela está nua. E é tão delicada. Ela está sentada na cama. E quer levar uns tapas na cara. Eu pensei que esse dia nunca chegaria.

Bato forte com a direita. Ela nem vira o rosto. Depois chega perto de mim.

- Eu quero mais.

Como ela está perto, o tapa sai curto. Pega um pouco na orelha. Ela aguenta. Reconheço a marca da minha mão no seu rosto. Ela se afasta um pouco.

- Bate até eu pedir pra parar.

Antes dela terminar, aproveito a distância e bato com as costas da mão no lado esquerdo do seu rosto. Este ela não estava esperando. O rosto dela já não está tão confiante. Então bato de novo. Ela tenta se defender, mas ela quer que eu bata. Empurro ela pra mais longe de mim, bato no rosto dela que nem nos filmes, na ida e na volta. Como o segundo tapa vem da esquerda para a direita, ela gira o corpo e cai perto com o lado direito do rosto virado para cima. Aquilo vai ficar roxo daqui a pouco.

Vou para cima dela. Puxo seus cabelos. Ela está chorando. O nariz escorre. Levanto a mão para dar mais um tapa. Talvez eu só dê mais este e pare. Ela me olha nos olhos. Agora parece que está com medo. Ela está tremendo.

- Para, por favor.

Ela deita chorando. Eu saio da cama. Fico olhando como ela é delicada, parece uma menina. Não sei como ela entrou nessa de apanhar. De onde é que ela tirou essa ideia? Ela olha para o meu pau.

- Bate uma punheta pra mim?

Começo a alisar meu pau. Tava mesmo com tesão. Os tapas, olhar pra ela chorando. Não pensei que ia gostar tanto. Queria meter o pau nela, mas uma punheta não vai matar ninguém

Ela chega mais perto. Cospe na cabeça do meu pau. Pra mim isso só acontecia em filme pornô.

- Eu quero ver.

Quando a gente é moleque, o maior pesadelo é ser pego batendo punheta por uma menina. Daí um belo dia você cresce, e a mina quer ver você descabelando o palhaço.

Ela senta para ver mais de perto. Tira a minha mão e pega o meu pau. Ela sabe o que está fazendo. Sempre soube.

Penso que ela poderia chupar um pouco, mas não peço.

Ela deixa as pernas para fora da cama e deita. Continua olhando, como se um cara batendo punheta fosse um espetáculo legal de ver.

Ela sabe que eu vou gozar.

- Goza em mim.

Ela está deitada. As lágrimas já secaram, mas seu rosto continua vermelho. Vou chegando mais perto dela. Ela abre as pernas e eu fico batendo punheta com o pau muito perto da sua buceta.

- Goza.

Não é uma ordem. É um pedido. Olho pra buceta dela. Enfio o pau e ela geme baixinho.

- Fora.

Antes de gozar, tiro o pau. É muito melhor bater punheta com o pau molhado de buceta. Gozo em cima dela. Ela esfrega na barriga, no peito, esfrega a buceta com o que sobrou. Eu deito em cima dela. Estamos cansados e sujos. Ela tenta levantar.

- Preciso me lavar.

Seguro firme, não deixo ela sair. Agora, sua delicadeza parece fragilidade. Ela se aninha em mim. Beijo o seu ombro. Ela sorri. Não sei o que falar. Depois de uma foda é mais fácil conversar.

- Agora você pode fazer tudo que quiser comigo. Sempre.

domingo, 18 de julho de 2010

A mãe virou robô

1. Quando a gente é criança, a vida é muito boa. Eu acordo, tomo café, como pão e brinco até a hora do almoço. Daí eu almoço, olho TV. Brinco mais um pouco e me acomodo no colo da minha mãe pra ver Sessão da Tarde. A mãe e eu gostamos dos filmes que têm lutas, ou das comédias, nunca dos filmes “de cantoria”, que é como a mãe chama os musicais. Mais do que dos filmes, eu gosto mesmo é de ficar no colo da mãe. Pode chover, trovoar, pode até entrar um morcego em casa como já entrou uma vez: no colo da mãe eu não tenho medo.

2. Meu pai é jornalista. Ele trabalha até tarde no jornal – sai de casa de manhã e só volta quando a gente está dormindo. No sábado ele vem pra casa mais cedo. No domingo ele tem folga. O pai é legal e eu gosto dele. Ele me conta histórias do Grêmio e eu adoro o Grêmio por causa do meu pai. Quando eu crescer, vou querer ser igual a ele. E vou casar com uma mulher igual à minha mãe.

3. Minha irmã mais velha é muito legal. Ela lê histórias, me ajuda no banho, faz sanduíche. Ela vai bem na escola e ajuda na casa.

4. Eu me dou bem com minha irmã do meio. Mais ou menos bem. Ela cria umas encrencas na casa e briga muito, mas a gente brinca mesmo assim. E é divertido.

5. A minha irmã mais nova faz tudo melhor do que a gente. Ela é a mais inteligente da casa e ainda sabe um jeito de pôr os pés atrás da cabeça. O pai diz que ela vai ser bailarina e sempre fala que ela é inteligente. A gente brinca e briga muito, porque ela era o nenê da casa até eu nascer, e agora tem ciúme de mim.

6. Às vezes a mãe sai à tarde. Minha irmã mais velha cuida de mim, ou fico na casa de alguma vizinha. Ela vai ao centro bem no começo da tarde e só volta quando já tá quase escuro, ou escuro de verdade. Daí eu nem vejo a Sessão da Tarde, porque não tem a menor graça. Eu até gosto quando a mãe vai ao centro, porque ela sempre me traz um presente na volta.

7. A mãe me disse que eu não vou mais poder ver os filmes da Sessão da Tarde no colo dela. Fala uma coisa sobre uma operação na coluna, que eu descubro que são os ossos que a gente tem nas costas. Ela sente muita dor nas costas e vai operar. Enquanto ela estiver doente, a madrinha da minha irmã mais nova vai cuidar da gente.

8. A Dona Zoé é bem velhinha e bem braba. Quando a gente vai na casa dela, nunca pode mexer em nada porque ela não gosta. E ela gosta mais da minha irmã do que de mim, por isso que é madrinha dela. A Dona Zoé sabe fazer um monte de comidas boas.

9. Continuam me dizendo que eu não vou mais poder ficar no colo da mãe. Eu não sei o que vai acontecer direito, por que ela não vai poder me pegar no colo, nem quanto tempo vai demorar pra ela se operar.

10. A mãe foi pro hospital e a Dona Zoé veio para nossa casa. A mãe dormiu no hospital muitos dias, e demorou pra eu poder ir até o hospital para visitá-la. Eu me lembro de ir com o pai num dia, e que o hospital ficava no alto de uma lomba enorme. O pai não me levava no colo porque tinha hérnia, então eu tina que subir sozinho.

11. Não me lembrava de ter entrado num hospital antes. Um hospital era uma coisa enorme e muito cheia de gente. A mãe estava deitada e chegou a janta. Como ela não tinha fome, eu comi tudo. Gostei da comida do hospital. E gostei de ver a mãe.

12. Na hora de voltar pra casa, desci a lomba correndo. Eu, que não era muito rápido, fiquei apavorado com minha velocidade. Ia ser legal visitar a mãe no hospital: podia comer a comida dela e ainda correr muito rápido na volta.

13. Enquanto a mãe fica no hospital, o pai almoça com a gente. Antes ele vinha pouco, às vezes trazia um amigo pra almoçar junto. Mas agora ele vem mais vezes. O almoço em casa é movimentado. As gurias têm que comer rápido pra irem à escola. O pai também tem pressa pra chegar no trabalho. Depois do almoço, a casa fica só pra mim e pra Dona Zoé.

14. Tento ver Sessão da Tarde com Dona Zoé, mas não consigo me acomodar no colo dela como me acomodava no da mãe. E ela fica fazendo crochê o tempo todo, nem vê o filme. Que saudade da mãe.

15. A mãe vai voltar pra casa. Fico feliz, apesar de gostar de visitar a mãe no hospital. Alguém me explica que ela vai ter que voltar pra lá muitas vezes. Então eu vou ter que voltar lá também.

16. O pai chega em casa com a mãe. Ela virou robô. Usa uma coisa que vai do pescoço até embaixo da barriga; parece uma armadura. Ela não pode se mexer direito e tem que ficar deitada. Deitada o tempo todo.

17. Alguém me explica que a mãe teve que pôr uma barra de platina nas costas, e que aquilo que ela tá usando, e que parece uma roupa de robô, é um gesso. Ela vai usar esse gesso muito tempo, até ficar boa.

18. Agora a gente fica assim em casa. A mãe, a Dona Zoe e eu. A Dona Zoé faz tudo porque a mãe não pode fazer muita coisa. Ela não pode brincar comigo e nem pegar no colo. Mas ela é carinhosa.

19. Minha irmã mais velha ajuda muito na casa. Ela sabe fazer umas comidas, lava a louça, varre, arruma os quartos, ajuda a mãe. Eu fico com ciúme porque não sei fazer nada.

20. Minha irmã mais nova é um doce. Ela é boazinha e vive ganhando elogios porque vai bem na escola.

21. Minha irmã do meio apronta muito. Sai de casa, fica na casa dos vizinhos, volta tarde. O pai bate nela às vezes, e eu não entendo. Só tenho medo que ele machuque ela. Não queria que ele machucasse ela. Mas a gente é pequeno demais pra impedir que ele bata e também pra não deixar a nossa irmã fazer confusão.

22. A mãe volta para o hospital para trocar o gesso. Vai ficar uns três, quatro, cinco, sei lá quantos dias. Eu vou visitá-la.

23. Nunca tive dor de cabeça, mas acordei hoje com dor de cabeça. Vou até a cozinha onde a Dona Zoé está fazendo bolinhos de batata e digo o que estou sentindo. Ela não me dá remédio e me manda voltar pra cama. Eu durmo e, quando acordo, o pai e as minhas irmãs comeram todos os bolinhos de batata.

24. As gurias entram em férias. As férias são assim: a mãe, coitadinha, deitada no sofá e todos nós em volta dela. A mãe não conseguia levantar sozinha, sempre um de nós tinha que dar a mão pra ela. Mas nesse dia eu tossi e fiz uma brincadeira de continuar tossindo. A mãe se assustou e levantou muito rápido e sozinha do sofá. A gente riu, mas ela ficou triste comigo.

25. Ah, no ano que vem eu vou para escolinha que fica na praça na frente da nossa casa. Eu não queria, mas me disseram que ia ser bom. Acho que eu vou entrar no judô também.

26. O Natal era diferente lá em casa por causa do trabalho do pai. Nesse ano foi ainda mais, porque a mãe não podia ficar junto com a gente. Eu ganhei um brinquedo bem legal e a gente ficou jogando e ouvindo música no radião do pai até tarde. A mãe não podia ficar com a gente.

27. Por causa do gesso, a mãe não podia tomar banho como a gente. De vez em quando,
minha madrinha, minha vó, minhas primas e minhas irmãs iam para o quarto lavar o cabelo da mãe. Nunca entendi por que eu não podia ficar junto. Será que a mãe fica pelada?

28. Não me sinto mais como antes. Não gosto da Sessão da Tarde, não preciso da mãe por perto pra mais nada. Quando me perguntam se eu sou criança, respondo que sou adolescente. E todo mundo ri de mim. Mas eu acho que não sou mais criança mesmo.

29. Tô tão grande que já vou para a escola. Eu não gosto do que tem que fazer dentro da sala, só gosto de brincar na pracinha. O pior de tudo é que agora as minhas irmãs estudam de manhã e passam a tarde com a mãe. Hoje eu chorei no banheiro. Teve uns outros dias em que chorei também. Mas hoje eu não conseguia parar de chorar e me pegaram. Eu só queria ir pra casa e ficar com a minha mãe.

30. Não gostei de judô. Era só agarramento com outros guris. Pra piorar, um dia o pai apertou o meu pinto no fecho da calça depois da aula. Não vou mais.

31. A mãe continua indo para o hospital de vez em quando. Agora já acostumei. Tenho um colega que mora perto do hospital. Um dia desses eu tava de bicicleta lá perto, com o meu pai, e encontrei com ele. A bicicleta dele não tem mais rodinhas.

32. Tentei jogar futebol na escola, tropecei, caí e ralei o joelho. Chorei muito. Tava morrendo de saudade da minha mãe.

33. A minha irmã do meio continua fazendo confusões. Mas acho que o pai bate muito nela.

34. Um dia me disseram que a mãe ia tirar o gesso. Era a última vez que ela iria para o hospital. E ela foi para lá e passaram mais uns dias. Demorou mais do que nunca.

35. Hoje eu vou ficar na escola só até a hora da mãe chegar. Daí vão me buscar, me dar banho e a gente vai fazer uma festa. Tem refrigerante e salgadinhos em casa. Talvez os meus tios e os meus primos apareçam.

36. Já chorei um monte de vezes na escola, mas hoje eu podia ralar os dois joelhos que nem ia chorar. Só quero que venham me buscar de uma vez pra ver a mãe sem aquela roupa de robô.

37. Chego em casa e depois o pai chega com a mãe sem gesso. Eu não me lembrava mais de como ela era sem o gesso. Todo mundo tá feliz. A mãe disse que ficou um ano e um dia engessada. Eu não tinha nem ideia de que tinha passado tanto tempo.

38. A operação foi um fracasso.O médico da mãe usou uma técnica experimental que, anos mais tarde, foi abolida. Algumas pessoas entraram na justiça e ganharam indenizações por erro médico. A gente não. A gente só quis esquecer aquilo tudo.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Um texto por dia - Não durou dois meses

Entre março e abril de 2003, comecei meu primeiro blog. A proposta era ousada, escrever um texto de ficção ou uma crônica por dia, sem escorregar para os vícios dos blogueiros do começo do século, que era escrever sobre eles mesmos, em egotrips enfadonhas. Tava fazendo free em algum lugar e acabei mudando de emprego. Trabalhando com meu amigo Paulo Silva, nunca mais tive tempo para escrever ficção, quanto mais todo o dia. O Delegado, como a gente chamava, ficava de plantão e sempre prendia uns filhos da puta (saudade do amigo Paulinho e das noitadas de trabalho insólitas no Morro Santa Tereza - eu terminava minha parte e dormia no chão da sala).
Os textos abaixo são dessa época. Espero que você se divirta.

Roteiro para filme de um minuto (umtextopordia.blogspot.com)

Tela preta. Música sertaneja com som de rádio de pilha.
A câmera mostra uma casinha simples, isolada, num lugar escuro.
Corta para dentro da casa. Uma mulher cozinha. Dá pra ver que ela está preparando um jantar caprichado, apesar da casa humilde. A mesa está arrumada para duas pessoas. Ela termina de preparar a comida e fica esperando.
De repente, a porta abre bruscamente.
Corta para close da mulher. A expressão alegre pela chegada do marido muda para um olhar furioso.
Ponto-de-vista da mulher. O marido, com uma arma na mão, traz um homem de terno e gravata com um saco de pano preto na cabeça está parado na porta da casa.
Plano aberto mostrando os três.
A mulher, que está sentada à mesa, levanta e grita:

- Antônio Carlos. Quantas vezes eu já te pedi pra não trazer trabalho pra casa?

Pênalti (umtextopordia.blogspot.com)

A gente estava perdendo o jogo até o centroavante ser derrubado na área. Como o jogo não era num campo de vila, o juiz marcou sem medo de apanhar na saída. Pode ser no Maracanã ou na várzea, jogo de campeonato ou só uma partidinha numa manhã de sábado: quando o juiz marca pênalti, todo mundo corre pra cima e reclama. Apesar disso, não existe registro na história do futebol de um juiz que tenha desmarcado a penalidade. Pode até já ter acontecido, mas eu nunca ouvi.

O nosso time é esforçado. Tem quem jogue bem, tem quem não jogue grande coisa, mas todo mundo corre. E todo mundo gosta de fazer gol. Só que na hora de bater um pênalti num jogo complicado como este, ninguém se apresenta.

Eu não tenho medo. Nunca tive.

Quando o juiz apitou, eu já sabia que o destino do time ia estar no meu pé direito.

Jogador profissional treina pra cobrar pênalti e, mesmo assim, erra de vez em quando. Eu só jogo no sábado, trabalho muito durante a semana, nunca treino e nunca errei. Desde guri eu batia pênalti. Sei como correr pra bola sem deixar o goleiro saber pra onde vou chutar, bato em qualquer canto, consigo esperar o goleiro se mexer pra colocar a bola no lado contrário.

Mas hoje eu não tô muito seguro.

Parece que todo mundo tá olhando pra mim. As poucas pessoas em volta do campo não estão acreditando que eu vá guardar. Eu não consigo escolher o canto, a concentração escapa.

A bola tá na marca. O juiz apita. Não vou inventar.

Respiro, escolho o canto, imagino a batida, a bola entrando, meus parceiros gritando e me abraçando. O goleiro se mexe, fala demais. Corro pra bola e bato de leve nela, porque não sou ignorante.

Eu nunca errei um pênalti antes.

O Cris e a Carol/A Carol e o Cris (umtextopordia.blogspot.com)

O Cris e a Carol são um casal de tatuadores. Eu tenho feito minhas tatuagens com eles nos últimos dois anos. Cheguei lá porque a Carol é irmão do meu amigo Beto (grande amigo, um irmão mais novo). Então um dia fui me riscar com ela, achei o Cris um cara legal também e resolvi que ia ficar me tatuando com eles. Acho que já faz umas cinco ou seis tatuagens.

Mas não é sobre o trabalho deles que eu vou falar, apesar de recomendar para todo mundo. É sobre a admiração que eu sinto pela história deles.

Às vezes eu fico pensando como a gente só acredita que a vida pode ser legal se for cheia de coisas difíceis de conseguir. Um carrão, um apartamento enorme, dinheiro pra viagens, roupas legais, CDs, DVDs, o caralho. Daí se mete num trabalho de merda pra ganhar grana, pra comprar, pra fazer crediário, pra ter tudo que acha que precisa pra ser feliz. E quando consegue, nada muda.

A Carol e o Cris não são assim.

Eles fazem o que gostam, ganham sua grana, vivem numa boa e eu posso afirmar que se amam. Tatuando um maluco numa hora, furando outro logo em seguida, trocando uma idéia com cada um, conhecendo uma história diferente a cada cliente, ouvindo punk rock. Quando chega o verão, geralmente eles alugam uma loja e vão trabalhar na praia. E conhecem mais gente, ouvem outras histórias. No verão passado eles trabalharam tanto que resolveram tirar uma folga por semana, na quarta-feira. Pra descansar, jogar um game.

Eu acho isso legal pra caralho. É a vida que eu queria ter.

Pena que eu não sei desenhar.

É só tristeza (umtextopordia.blogspot.com)

Tem sol na rua, um frio agradável, mas tudo é só tristeza. Não adianta remédio, não adianta companhia. Quando esfria desse jeito, e os dias são tão lindos, parece que eu fico mais triste. Acho que é beleza demais pra mim, que não mereço.

Saio pra dar uma volta. Os carros andam devagar, as pessoas sorriem. Eu não. Eu quero atrapalhar. Ando rápido, mudo de pista, buzino. Se eu não posso ser feliz, ninguém deveria ser. Mas eu sou tão pouco, tão pequeno, que fica impossível lutar contra milhares de pessoas e contra o tempo. O tempo lindo.

Um sujeito com a família fica irritado com a minha buzinada. Acelera pra não me perder de vista. Quando paramos num sinal, ele baixa o vidro pra discutir comigo. Antes que ele possa falar qualquer coisa, solto a maior sequência de ofensas que um dia lindo como esse poderia suportar.

Qual é, filho da puta? Tu comprou essa porra dessa rua, seu fodido? Comprou pra passear com essa vagabunda escrota e com estes moleques ranhentos? Então faz o seguinte, o corno: enfia cada paralelepípedo dessa rua no teu rabo. Se sobrar, enfia na tua mulher e nesses viadinhos que tu acha que são teus filhos. Porque esses filhos da puta aí no banco de trás devem ser filhos dos teus camaradas. Só tu não sabe que essa vadia dá pra todo mundo.

Arranco tranquilamente. O sujeito continua no sinal. Não sabe o que fazer.

Não tô mais triste. Talvez tenha passado tudo para ele.

O sapo malhado e a girafa curiosa (umtextopordia.blogspot.com)

Nos últimos dias, tenho dificuldades para escrever. É só arrumar o papel na máquina que um deles aparece. Um dia é o sapo malhado, no outro, a girafa curiosa.

O sapo malhado é metido a chefe. Ele sempre vem com uma conversa estranha. Gosta de termos em inglês e de coachar piadas que ninguém entende. Ou entende e não acha a menor graça, o que dá no mesmo.

Meus colegas de trabalho não sentem tanto nojo do sapo malhado quanto eu. Talvez até sintam, mas como acreditam que ele é chefe, conseguem disfarçar melhor. Um deles até aperta a mão e bate nas costas dele.

Invariavelmente, quando o sapo malhado sai da sala, não consigo escrever nada além de uma frase:

Eu odeio o sapo malhado.

Felizmente, o sapo vai coachar em outra lagoa um dia sim, outro não. O problema é que o papel de nos incomodar fica para a girafa curiosa. Essa criatura é mais desprezível do que o sapo malhado. É que ela é uma espécie de encarregada de tocar os escravos quando o sapo não está. E, talvez pela irracionalidade comum aos animais, ela consiga ser mais má, mais chata e mais nojenta que o chefe.

Quando a gente olha para uma foto de um sapo e de uma girafa, pensa que isso é impossível. Mas basta ser escravo dos dois pra saber que não.

O método de aproximação da girafa, ao contrário do utilizado pelo sapo, é mais idiota. Enquanto o sapo se aproxima falando em inglês e fazendo piadas sem graça, a girafa chega fazendo voz de criança e espiando por cima do ombro dos outros. Em comum, só a estupidez de acreditar que os escravos não desconfiam que eles estão conferindo o trabalho.

O sapo, que é chefe, nunca fala o que vê nos fazendo no horário de trabalho. A girafa, que não tem autonomia nenhuma, conta tudo que vê para o sapo.

Foi por isso que eu acabei demitido.

Um dia, depois de ver muitas folhas em branco, a girafa reparou que havia alguma coisa escrita na folha. Esticou o pescoço daqui e dali e leu o que não queria.

Eu penso, sim. Vocês acham que.

Quando o sapo chegou de sua viagem, me chamou na casa grande, deu as 10 chibatas do salário proporcional aos dias trabalhados e disse que eu não precisava voltar no outro dia.

Continuo procurando um lugar pra trabalhar outra vez. Mas sempre que vejo um sapo ou uma girafa, podem até me oferecer mais chibatas do que no meu trabalho anterior. Mesmo assim, eu nem considero a proposta.

O Grandão (umtextopordia.blogspot.com)

Minha vida não era muito divertida desde que meu marido morreu, faz uns dezesseis anos. Eu até queria morrer pra ficar junto com ele. Os filhos já tinham crescido, eu já não precisava mais de um homem comigo, nem de parentes. Apesar de não ter mais o companheiro e nem muita vontade de viver, tinha tudo que precisava pra continuar viva. As peças que eu alugava na minha casa rendiam um dinheirinho que pagava a minha comida, as contas e ainda sobrava um pouco. E tinha mais a pensão do falecido, que também não era grande coisa, mas que ajudava bastante. Quando o meu marido morreu, já estavam construindo o aeroporto. Demorou nove anos até ficar pronto. Da sacada da minha casa, acompanhei a construção de um bom pedaço dele. Não consegui ver a construção do prédio, que dizem que é lindo, mas tudo bem. Às vezes, um filho ou um neto apareciam pra me visitar, mas em geral, quem ficou comigo nesses anos todos foram os meus inquilinos. Eles sabem que aqui sempre vai ter um chimarrão e, com sorte, alguma coisa pra comer. São todos pobres, mas são gente boa. Até o alcoólatra, que mora no pior quarto e vende mercadorias roubadas, é legal. Quando sobe aqui, sempre traz uma cachaça pra fazer caipirinha. Eu entro com o limão e o açúcar e ele sai, sempre, se segurando pra não cair quando desce a escada. O bairro onde eu moro é uma vila. Uma vila enorme que agora tem vista para o aeroporto. Tudo aqui é muito organizado: a pracinha é dos traficantes, as ruas mais ou menos escuras são dos ladrões e as ruas escuras de verdade são dos estupradores. Sorte que na minha rua tem luz. Mas como eu moro aqui desde o começo da vila, comigo ninguém se mete. E todo mundo, até um sujeito que eu só descobri que era estuprador depois que foi linchado pelo pessoal da vila, acaba vindo na minha casa conversar comigo. Não é tão ruim viver assim, mesmo sem marido e quase sem família. Felizmente o aeroporto foi inaugurado. No começo, eu não saía mais da sacada. Ficava olhando os aviões manobrando na pista, pousando e decolando o dia todo. Até que depois de dez dias, eu vi o grandão. O grandão foi o maior avião que eu já vi em toda a minha vida. Eram sete e meia da noite quando ele começou a andar pela pista. Às vinte pras oito ele decolou. E veio subindo, subindo, subindo até passar bem em cima da minha sacada. Minha cadeira tremeu, os vizinhos que estavam tomando chimarrão comigo se assustaram: acharam que o grandão ia cair bem em cima da gente. Que nada, ele passou reto. No outro dia de manhã, fui pra sacada, mas nenhum dos aviões era como o grandão. O receptador alcóolatra me disse que o grandão era um Boeing 727, mas eu prefiro chamar ele de grandão. No mesmo horário, ele decolou de novo. Depois disso, nunca mais perdi meu tempo olhando os outros. Mas todos os dias, às sete horas, esquento a água do chimarrão e vou pra sacada. Daí, aconteça o que acontecer, não me mexo dali até o grandão levantar vôo. Meus filhos pararam de me visitar. Disseram que eu tinha ficado louca de perder tempo todos os dias pra ver um avião. Não sei por que eles falam isso, acho que é por que eles já viajaram muitas vezes de avião. Eu não preciso nem subir num avião. Tenho o meu amigo grandão que faz um show pra mim todos os dias. É tão lindo que às vezes eu esqueço de comer. Em outras, nem tomo banho. Mas o grandão eu nunca esqueci desde que inauguraram o aeroporto, há sete anos. Se eu pudesse, fazia um laço e puxava ele bem aqui, para o pátio da minha casa. Hoje eu nem penso mais em morrer. Quer dizer, às vezes eu penso, sim. Mas não quero morrer dormindo como antes. Eu queria que o grandão subisse um pouquinho e começasse a descer, descer, descer até cair aqui, na sacada da minha casa. Se existe um céu, e se a gente vai pra lá quando morre, eu quero que o grandão me leve.

Minha esquiva (umtextopordia.blogspot.com)

A luta começou mal. O outro cara é mais forte e um pouco mais alto que eu.
Começa batendo firme mas os golpes explodem na minha guarda. Já lutei muito
antes e sei que todos os lutadores fazem isso pra tentar intimidar o adversário.
Eu devia ter feito o mesmo, mas o cara parece uma máquina de dar porrada.

Meu treinador grita pra eu me mexer, pra não ficar parado na frente dele. É isso
que eu tento fazer, mas o sujeito não para de tentar me acertar. Vou para o meio
do ringue e deixo ele girar. Vou fazer o que sempre fiz de melhor. Vou me
esquivar e bater na hora certa. Ganhei todas as lutas que fiz até hoje desse
jeito, o velho que fique puto nos próximos três minutos e que fale alguma coisa
que se aproveite no intervalo.

Um jab e eu escapo. O outro vem tão rápido que me acerta quando tô voltando. E
junto vem um direto que parece de peso-pesado. Se o árbitro não tivesse
conferido as luvas, eu ia achar que esse cara guardou uma ferradura ali.

Solto um jab e o cara nem se defende. Deixa eu acertar e não se abala. Ainda ri
da minha cara pra dizer que não sentiu nada. Os poucos que vieram ver a luta se
divertem com isso e o árbitro, que quer mais que essa luta acabe de uma vez, não
diz nada. Tento um cruzado, ele desvia e solta uma sequência rápida e dolorida
na minha cara: um jab que acerta a testa e empurra, um direto no nariz que enche
mais olhos de lágrimas e um cruzado que acerta o queixo e faz toda a minha
cabeça chacoalhar. As malditas bolinhas pretas aparecem na frente dos meus olhos
e eu me agarro rápido pra não apanhar mais. O árbitro tenta separar mas eu
continuo agarrado no cara até as bolinhas pretas desaparecerem. Quando eu solto
um pouco o cara, ele me empurra e vem pra cima de novo.

Tem uma hora numa luta em que a gente não pensa em fazer nada. Só quer que o
tempo passe pra ir pro canto e sentar um pouco, tentar imaginar um jeito de
acertar o cara. Mas ainda falta muito tempo pra isso acontecer.

O sujeito continua vindo pra cima. Solta um jab e consigo esquivar. Tento
devolver um cruzado e erro. Não sei como se vê de fora do ringue, mas parece que
eu tô em câmera lenta e ele tá acelerado. Mais golpes pra cima de mim e a minha
esquiva, que sempre foi o meu forte, parece que não funciona muito bem. Saio
para um lado e ele me acerta, saio para o outro e ele acerta também. Não sei se
o cara se dá conta, mas eu tô apavorado. Fujo e acabo preso no canto. Agora só
tenho minha esquiva pra me salvar.

Quem tá fora do ringue acha que a gente não pensa lá em cima. Bobagem, a gente
pensa muito. Enquanto o cara bate com força, fico me lembrando da noite de
ontem. Eu não devia ter saído de casa pra passar a noite com a Maria. Aquela
neguinha nunca consegue me dar só uma vez. Quando cheguei na casa dela, disse
que não podia trepar muito. Mas é muito mais fácil aguentar esse cara me dando
porrada do que comer a Maria só uma vez. Só agora, que minha esquiva não tá
funcionando, é que eu vi que devia me controlar.

Mas é foda, muito foda, resistir aos golpes da Maria. Depois que a gente transou
uma vez, ela ficou toda manhosa do meu lado. Falou que nunca na vida tinha
conhecido um cara como eu, mas que eu era muito mau com ela, que ficava toda
linda me esperando pra trepar só uma vez. Disse que desse jeito não ia me querer
mais, que eu preferia ficar me agarrando e correndo atrás de um sujeito suado do
que transar com ela.

O fígado é meu fraco. E o filho da puta bate tão forte nele que dá vontade de
cair só pra não levar outra pancada dessas. Tento me encolher pra caber dentro
da guarda, mas parece que meus braços encurtaram. Protejo o tronco e o cara bate
na minha cabeça. Nem tento esquivar mais, porque minhas costas e minhas pernas
estão doloridas demais por causa da foda com a Maria.

Eu errei. Eu errei muito. Tinha que ter comido a neguinha uma vez só e saído
fora. Mas não, deixei ela me pagar um boquete. E o boquete da Maria vale lutar
um pouco mais cansado. Pedi pra ela parar, pelo amor de Deus, mas ela foi até o
fim. Eu não queria gozar, mas ninguém faz a Maria parar quando ela tá se
divertindo.

Acho que esse cara deve ser parente da Maria. Porque ele tá me fodendo com essas
porradas e deve estar se divertindo muito. Ele não parou de me bater desde que
tocou a sineta. Minhas pernas ficam fracas como quando eu trepo com a Maria. Uma
delas dobra e meu joelho encosta no chão. Fico olhando pra baixo e ouvindo a
contagem. Será que o sangue aqui no canto do ringue é meu?

Levanto no oito e volto pra luta. Voltei pra luta com a Maria depois dela me
derrubar duas vezes ontem, não é esse cara que vai me deixar no chão de uma vez
só. Mas depois de ter gozado duas vezes, bem que eu podia ter ido embora da casa
dela. Talvez eu conseguisse pelo menos me esquivar quando esse filho da puta
larga os golpes.

Boxe não combina com muita foda. O meu treinador sempre me diz isso um dia antes
da luta. Mike Tyson devia foder muito, por isso jogou tudo fora. Mas também não
dá pra pensar assim. O Maguila ficava um tempão sem comer a mulher antes das
lutas e perdeu um monte de vezes.

Meu olho esquerdo já tá fechado. E o cara cruza de direita porque sabe que eu
não vou ter tempo de ver direito pra me esquivar. Mas se meu olho não estivesse
fechado eu não ia conseguir me esquivar também. Não depois de ter comido a Maria
três vezes ontem à noite.

Quando toca a sineta eu não sei pra que lado ir. Meu treinador corre pra cima do
ringue e me carrega até o banco. Ele grita comigo, joga água na minha cara,
passa vaselina no corte do supercílio esquerdo. Eu não entendo nada. Tô sentindo
a mesma moleza que senti depois que comi a Maria pela terceira vez ontem. Eu
achava que não ia nem conseguir ficar de pau duro de novo, mas ela começou a se
esfregar em mim. Começou a esfregar aquele rabo enorme e durinho em mim. Eu pedi
pra ela parar, mas ela disse que eu era muito burro, que vivia pedindo pra botar
atrás e, bem no dia que ela resolveu me dar, eu não queria. Porra, meu maior
tesão era comer o rabo daquela neguinha. E eu achava que o cara que ia lutar
comigo hoje não ia fazer essa frente. Meu pau ficou duro na hora e eu comi
aquele rabo com muita vontade.

A sineta toca de novo e eu sei exatamente o que tenho que fazer. Tenho que me
esquivar e bater, me esquivar e bater, bater e fugir, bater e rodar. Eu tenho
que fazer com esse cara o que eu fiz com a Maria. Tenho que comer o cu dele.

Ele vem pra cima. Larga um golpe, eu esquivo e tento bater. Mas ele continua
batendo e vai me acertando. É mais difícil controlar esse cara do que a Maria.
Pelo menos depois da terceira foda, ela apagou do meu lado. Esse cara não para
nunca. Os golpes vão acertando tudo: o nariz, o fígado, o estômago e,
finalmente, o queixo. Minha esquiva, que sempre foi minha melhor arma, não
funcionou hoje. Se eu não tivesse comido a Maria ontem pode ser que essa luta
não fosse tão ruim. Se eu não tivesse comido a Maria ontem pode ser que eu ainda
estivesse em pé agora.

Quilombo (umtextopordia.blogspot.com)

Eu sou um escravo. Ou, pelo menos, é isso que meus superiores acham. Não me pagam o suficiente pra comer ou pra ter muitas roupas, exigem muita produtividade e, se pudessem, com certeza me açoitariam quando faço algo que os desagrada.

Eu sou um escravo. Aceito quieto todas as humilhações que meus chefes, ou as pessoas de confiança dos meus chefes, tentam me submeter. Vivo assustado com as ameaças, não quero nunca ter que enfrentar a sua fúria.

Eu sou um escravo. Não posso fazer o que gosto, pelo menos, não posso fazer o que gosto no meu trabalho. Minhas crenças são ridicularizadas e proibidas, meus hábitos não são respeitados, minha cultura é desprezada.

Eu sou um escravo. Qualquer coisa que eu fale ou faça é desconsiderada. Todos os créditos vão para os meus chefes e as pessoas de sua confiança. Acho injusto, quero fugir. Mas pra onde eu posso ir, se não existem mais negros fujões que possam me ajudar?

Foi pensando em tudo isso que eu criei o meu próprio quilombo. Ou meus próprios quilombos.

Meu quilombo é qualquer coisa que me dê a sensação de liberdade.

Pode ser o cigarro, que não posso fumar na minha sala e nem no prédio. É por isso que, ao contrário dos quilombos que ficavam em lugares altos, o meu fica no térreo. Quando o sinhô e seus capatazes enchem muito o meu saco, vou até o térreo, saio do prédio e acendo um cigarro. São cinco minutos, talvez. Mas são cinco minutos em que eu sou eu, em que eu sou livre.

A internet é meu outro quilombo. Esse, sim, pode acabar me rendendo consequências desastrosas. É na internet que eu me refugio quando o feitor me obriga a fazer alguma coisa que nem ele mesmo sabe o que é. É uma pesquisa, sim, mas eu posso aproveitar para ir a lugares onde o sinhô não deixaria.

Meu quilombo pode ser um baseado. Cedo de manhã, ou na hora do almoço, ou no meio de um serão. Porque o sinhô pode destruir meu corpo, mas não pode segurar a minha mente.

Aliás, meu quilombo de verdade fica dentro da minha cabeça. Ali, sim, protegido pelo meu crânio bem duro, fica o único lugar onde o capitão-do-mato não me alcança, onde eu sou mais forte, mas feliz.

E, como Zumbi, prometo que do quilombo da minha cabeça ninguém vai me tirar. E se algum dia eu me sentir ameaçado, cercado, perdido, seguro meus negros pela mão e pulo em direção à morte. É muito melhor do que entregar a minha liberdade.

Pra nós, faltou fé. (umtextopordia.blogspot.com)

Ok. Os Estados Unidos começaram mais uma guerra patética. Montaram aquele circo enorme no meio do deserto pra roubar o petróleo do Iraque, valorizar o dólar e implementar o conceito deles de "liberdade". Um conceito de liberdade meio estranho, porque não respeita a dos outros.

Pois é. Essa liberdade que eles vão impor ao Iraque, já foi imposta na América Latina, na época dos golpes militares. A vantagem era o medo do comunismo que assolava nossas forças armadas. Eles tocavam o terror nos milicos, que faziam toda a merda sozinhos. Faziam porque tinham medo dos comunas, porque queriam poder, porque não amavam o país porra nenhuma e, principalmente, porque não tinham fé.

Ou seja, os Estados Unidos nunca fizeram aqui uma palhaçada como a que estão fazendo hoje no Iraque porque não foi preciso. Porque nosso exército e nossa classe dominante eram compostos por uma escória, um bando filhos da puta que ficaram vinte anos no poder favorencendo os ricos, massacrando quem pensava diferente e fodendo com a vida do povão. E não me falem em milagre econômico. Olha onde ele veio parar.

No Iraque é diferente.

Eles são fiéis. Fiéis a Alá, ao presidente, ao país. Eles vão apanhar, vão ser massacrados, vão perder o petróleo e a autonomia. Daí vão ser livres como os americanos. Vão ser tão felizes quanto os brasileiros, os chilenos, os uruguaios e os argentinos foram durante os regimes militares. Mas eles não vão fazer essa merda por conta própria como nós, malditos cucarachas. Eles vão espernear.

Por isso, essa história pode acabar sendo como as tentativas americanas em Cuba, na Coréia do Norte e no Vietnã. Os Estados Unidos podem não ganhar a guerra, como se fosse possível alguém ganhar uma guerra.

Daí o gigante vai mostrar mais uma vez para o mundo que assusta mais pelo tamanho do que pela habilidade pra matar. Mais pela brutalidade do que pela astúcia. Eu vou torcer sinceramente para que isso aconteça, apesar de não concordar em nada com o Saddam Hussein.

Contra a máquina de fazer escritores da RBS (umtextopordia.blogspot.com)

Depois de escrever uns livros de receitas, etiqueta e boas-maneiras, Célia Ribeiro está lançando um livro de crônicas. Não li nada, nem vou ler. Aceita um conselho? Faça o mesmo.

Pedro (umtextopordia.blogspot.com)

Nunca vou esquecer a madrugada em que o meu moleque resolveu nascer. Faltavam quase dois meses pra fechar as quarenta semanas, mas ele já vinha tentando sair desde o sexto mês.

Era madrugada e a mãe dele acordou sentindo dores e coisa e tal. A gente correu para um hospital pensando em fazer um exame mas não tinha mais como segurar o moleque. Ele nasceu magro, pequeno e muito feio. Mas compensou tudo isso com o dia em que resolveu nascer e o signo. 2 de fevereiro, dia da padroeira de Porto Alegre. Aquário com ascendente em aquário. Era 97, eu tinha 25 anos e a certeza de que o Pedro seria um sujeito especial.

Até aquele dia eu nunca tinha dado colo para um recém-nascido. Mas o moleque se acomdou no meu colo e foi legal. Hoje ele é um cara enorme, mas continua se encaixando no meu braço quando está dormindo, cansado ou machucado. Quando ele tiver trinta anos eu acho que não vou mais poder dar colo como hoje, mas sei que ele vai continuar contando comigo sempre que precisar.

Aprendi um monte de coisas com e por causa do Pedro. Tipo fazer umas comidas, ler histórias infantis, inventar histórias infantis, brincar de carrinho, dinossauro, luta, espada, pega-pega e todas as outras coisas que a gente desaprende quando cresce. E acho que, reaprendendo as coisas de criança, consegui ser mais adulto. É uma dívida que tenho com o moleque.

Os últimos seis anos foram muito bons pra mim graças ao Pedro, apesar de muitas dificuldades e inseguranças. E acho que, na relação dele comigo, os primeiros seis anos dele também foram do caralho. Ele conheceu bandas de rock, histórias legais como a do Zumbi dos Palmares, aprendeu como é que se faz "tatuagem de agulha", desenhou tatuagens que estão nos meus braços, ganhou alguns brinquedos legais e deixou de ganhar outros tantos.

Apesar de não querer usar o "um texto por dia" para escrever nada que seja de verdade, como o meu filho vai morar em outra cidade, resolvi escrever sobre ele. Um texto pra ele guardar e saber como é importante na minha vida, mesmo que às vezes o lance de ser pai seja realmente difícil e eu pense "meu Deus, eu não consigo, eu quero desistir".

Meu moleque vai pra uma cidade maior, onde o aniversário dele não vai cair no dia do padroeiro da cidade e nunca mais vai ser feriado (olha a vantagem, os amiguinhos dele não vão estar fazendo feriadão na praia). Meu moleque vai para uma cidade onde ser aquário com ascendente aquário talvez não seja uma qualidade. Meu moleque vai para uma cidade que vai fazer a nossa querida Porto Alegre ficar pequena e sem graça demais. Meu moleque vai pra São Paulo.

Eu quero que ele seja feliz. O mais feliz que alguém pode ser morando em São Paulo. E que a gente consiga se ver, trocar correspondências, conversar por telefone e continuar sendo como somos: amigos, irmãos, parceiros, rivais, todos esses lados que só uma relação muito legal pode ter.

Vai, moleque. Todo mundo diz que a gente cria os filhos para o mundo. Acho que podia fazer mais por ti antes de te entregar pra ele. Mas acho, também, que não tem muita gente por aí que seja tão legal quanto tu.

E como eu sempre digo, não esquece que o pai te ama.

Minha sugestão para as nova fotinho em caixas de cigarro (umtextopordia.blogspot.com)

Foto de um sujeito cheirando as mãos.

O Ministério da saúde adverte:
O CIGARRO É UMA DROGA PORQUE DEIXA A MÃO FEDORENTA PRA CARAMBA.

Patrão/empregado (umtextopordia.blogspot.com)

- O negócio é o seguinte: a empresa está crescendo e precisamos de profissionais como você.

- Puxa, que legal.

- Como você sabe, o mercado não anda muito bom. Mas trabalhar aqui, levar a nossa empresa de volta ao lugar que ela sempre ocupou, isso vai dar um upgrade no seu currículo.

- Sem dúvida…

- Então o que eu te peço é o seguinte: um investimento na nossa empresa. Porque agora eu não posso pagar o que você vale, mas tenho certeza de que a gente logo corrige essa distorção.

- Eu acho que a gente pode tentar…

- Além do mais, anda difícil arranjar emprego. Há quanto tempo você está desempregado mesmo?

- Desempregado, desempregado, acho que fiquei um mês. Depois começaram a pintar alguns trabalhos temporários...

- Rá. E o dinheiro?

- É quase a mesma coisa que aqui.

- Mas sem a menor possibilidade de aumentar daqui a três meses.

- Isso é verdade.

- Negócio fechado?

- Negócio fechado.


Três meses depois



- Olha, Antônio Carlos. O seu trabalho aqui na empresa foi realmente surpreendente. Mas a situação continua complicada. Então, aquela nossa proposta inicial mudou um pouco.

- Como assim?

- A empresa entrou de novo numa fase de corte de gastos e, infelizmente, vamos ter que abrir mão da sua colaboração.

- Mas era eu quem estava investindo. Eu que baixei minha proposta pra colaborar com a empresa.

- Pois é. Nem sempre os investimentos dão certo…

Caranguejo (umtextopordia.blogspot.com)

É uma porra ter um carro. Parece que, por ter conseguido dinheiro pra comprar um, a gente é obrigado a dar esmola em sinaleiras. Mesmo quando a gente não tem um puto. Todos os pedintes atacam tentando fazer a gente se sentir culpado por estar dentro de um carro. Claro que alguns conseguem ser piores que os outros. É o caso do caranguejo.

Com certeza o caranguejo teve uma paralisia cerebral no pós-parto. Ele tem o lado direito paralisado e anda meio que se arrastando. É o típico sujeito que a gente olha pela primeira vez, sente pena e tem vontade de ajudar. Mas só até ele chegar perto do carro.

Na primeira vez em que vi o caranguejo, dei a única moeda que eu tinha para ele: 25 centavos. Ele ficou fazendo uns barulhos e se agarrando na porta do carro. Queria mais dinheiro, mas os 25 centavos eram tudo o que eu podia dar. Não daria cinco reais, muito menos dez, que eram as notas que eu tinha na carteira. Era aquela moeda de 25 e pronto. Ele ficou resmungando agarrado no meu carro, o sinal abriu e o filho da puta continuava ali.

Pedi pra soltar, os outros carros buzinavam atrás, mas ele continuava gemendo e resmungando. Arranquei e ele continuou agarrado no carro até que aquela perna meio bamba não aguentou e ele caiu.

Fui para o trabalho com aquela imagem do sujeito doente se esparramando no chão. A imagem e a culpa. O tombo foi feio, ele devia ter se machucado muito. Passei o dia pensando naquilo e voltei pra casa por outro caminho. Não queria vê-lo de novo. Não queria que ele se agarrasse no meu carro outra vez.

Mudei o trajeto para ir e voltar do trabalho só para evitar de encontrar com o caranguejo. Mesmo assim, não conseguia esquecê-lo.

Lembrava tanto daquele sujeito que, certa manhã, depois de ver que algumas fatias de pão, iogurtes, queijos, requeijão e margarinas estavam prestes a estourar os prazos de validade, juntei tudo em uma sacola e fiz o velho caminho para o trabalho. Ia entregar tudo para o caranguejo.

Olhei de longe e não o encontrei na sinaleira. Quando parei nela, o caranguejo apareceu. Veio arrastando a perna e dizendo um monte de coisas que eu não conseguia entender. Peguei a sacola com as comidas e alcancei pra ele. O caranguejo olhou pra dentro, mexeu nas coisas e ficou falando umas coisas que eu não conseguia entender. Foi daí que se agarrou na porta do carro de novo.

- Moeda. Uma moeda, tio.
- Mas eu te dei um monte de comida, rapaz.
- Quero moeda. Pra comprar comida. Tenho fome.
- Comida na sacola. Come o que tem na sacola.
- Não tem moeda?
- Não.
- Eu quero moeda. Dá moeda, tio.

A sinaleira abriu e o caranguejo estava agarrado no vidro do meu carro. Eu queria sair dali, mas não queria derrubá-lo de novo. Não queria machucar aquele sujeito que, definitivamente, não entendia nada de nada. Os carros atrás buzinavam. Quem conseguia sair pelo lado, passava me ofendendo – filho da puta, corno, barbeiro, sai da frente, palhaço, viado, careca.

Injustiça dupla. Eu tentei ajudar o sujeito e ele não entendeu. Eu não queria machucar o sujeito doente e todos os outros motoristas cagavam na minha cabeça.

Arranquei. O caranguejo não largou da porta do carro. Ele andou alguns passos até que a perna ruim falhou. Dessa vez ele continuou agarrado na porta e eu o arrastei por uns vinte ou trinta metros antes dele despencar no meio da rua.

Fiquei olhando pelo retrovisor e torcendo para que algum carro passasse por cima da cabeça dele. Pelo menos não teria que continuar fazendo o outro trajeto pra ir e vir do trabalho.

Gorete (umtextopordia.blogspot.com)

Vai que, de todos os homens do escritório, ela começou a olhar justamente pra mim. Ela era Gorete, a nova secretária do nosso presidente. Gorete tinha uns 23 anos e era a mulher mais linda que já tinha pisado na firma. Mais bonita até que a mulher do presidente, a Dona Lourdes. Loira com os cabelos na altura dos ombros e um rosto triangular lindo. Os olhos, que eram azuis muito claros, iluminavam o nariz fino, não muito grande, e a boca grande com lábios finos. Eu era o Raulzinho. Tinha sido boy quando a empresa foi fundada e, pela simpatia dos chefes, fui mantido até hoje, apesar de não saber fazer quase nada, tranformado num faz-tudo. Sou baixo, gordo, com quase cinquenta anos, meio fanho, muitas vezes indo trabalhar sem tomar banho por pura preguiça. Eu era o cara pra quem a Gorete olhava.

As informações das outras colegas eram meio desencontradas. Era casada, era solteira, tinha um filho, tinha uma filha, era séria, era uma puta. Tudo dependia de qual das garotas contava a história. Depois dos primeiros dias em que ela apenas olhava, começou a conversar comigo. No refeitório, na hora do almoço, sempre sentava na minha mesa. Além de bonita, era uma mulher agradável. Agradável demais. Começamos a pegar o ônibus juntos até o Centro pra conversar mais. Voltávamos de Cachoeirinha até Porto Alegre, onde nos separávamos e seguíamos nosso próprio caminho pra casa.

As diferenças entre Gorete e eu eram enormes. Depois do trabalho, eu ia para a casa dos meus pais, onde podia aproveitar todo o conforto de ainda ser filho. Ela, por outro lado, ia para a casa do filho, onde ainda enfrentava toda a dificuldade de ser mãe. Eu podia fazer o que quisesse: ler, ouvir música, sair com os amigos, transar com alguma ex-namorada. Ela se limitava a fazer o que o filho permitia: ver desenhos animados na TV, brincar de luta, ler histórias infantis. Sexo? Ah, o moleque não deixava.

Eu tinha medo de convidar a Gorete pra sair. Tinha medo de estar me enganando, tinha medo de que ela não gostasse de mim. Mas convidei e ela aceitou. Ela aceitou e nós fomos ao cinema, e eu a beijei antes dela fechar a porta do edifício. E no outro dia, voltamos do trabalho de mãos dadas no ônibus.

Virou namoro. Eu conheci o menino. Ele tinha uma série de problemas na escola. Não brincava, não conversava, só fazia o que a professora mandava. Era uma espécie de robô. No começo ele não falava comigo. Depois de um tempo, veio se aproximando. Meu namoro com Gorete seguia firme. Já fazíamos tudo que era possível para um casal de namorados com um filho pequeno. Transávamos do jeito que dava, sempre que tínhamos chance. Aproveitávamos as idas do moleque à casa da avó para andarmos nus pela casa, essas coisas. Mas me parecia que tudo que eu sentia pela Gorete não era correspondido.

Só que o garoto gostava tanto de mim que ela nunca teria coragem de desmanchar o namoro.

Eu já passava de quatro a cinco dias por semana na casa de Gorete até que o dia em que acordei de madrugada e ela não estava dormindo comigo. Estava mal acomodada numa cadeira da sala. No outro dia, acordei novamente e ela estava dormindo no mesmo lugar. Repeti a estratégia nos outros dias e bingo, era sempre a mesma coisa.

Até que resolvi esperar acordado pra tentar entender aquilo tudo. Gorete me deixou dormir, levantou da cama, foi até o quarto do filho e o beijou. Tive a nítida impressão de ouvir Gorete dizer:

- Dorme bem, meu anjo. Pela tua felicidade a mãe faz qualquer coisa. Até aguentar o chato do Raulzinho.

Quantos homens de 48 anos que estão comendo uma garota de 23, linda e gostosa, aguentariam ouvir isso e descobrir que estavam ali, aproveitando aquela verdadeira maravilha, única e exclusivamente pela necessidade do seu filho ter um pai? A pretensão de ainda ser bonito, gostoso, desejável, de ter um pau enorme e ereções fantásticas, tudo foi por água abaixo.

Pensei em surpreendê-la e dizer que nunca, nunca mais apareceria em sua casa. Que não levaria mais o moleque à escolinha, que nunca mais ia visitá-lo e que, antes de ir embora, diria pra ele nunca mais me chamar de pai. Entrei na sala pensando nisso. Mas ela me abraçou, me deu um beijo, ajoelhou, baixou minha cueca e começou a chupar meu pau. Chupou muito. Chupou até me fazer gozar. E engoliu tudo, tudo mesmo.

Foda-se o que ela sente. O menino precisa de um pai. Eu preciso de uma boa trepada. Fui até o banheiro, passei um papel higiênico no pau, voltei para o quarto e dormi. Ela ficou na sala, disse que ia ler um pouco.

Quando eu crescer (umtextopordia.blogspot.com)

Quando crescer eu
nunca mais vou ter espinhas,
vou trabalhar
e ter uma casa só minha.
Vou ter mulher,
um filho e uma filha.
Ser respeitado
como um bom pai de família.

Quando eu crescer
vou ter cadeira no Olímpico
Vou ser casado
com uma mulher compreensiva.
Vou ter conta em banco
e cheque especial.
Mas não tem problema,
vai estar sempre positiva.

Quando crescer eu
vou ser muito admirado
por meus vizinhos
e colegas do meu lado
Bonitão e cheio de mulheres
vou escolher
entre Robertas e Micheles.

Ansiosamente como um
preso aguarda o indulto,
eu conto o tempo que falta
para me tornar adulto.

Mas eu cresci
e continuo com espinhas.
Eu tenho emprego,
mas não tenho uma família.
Moro com meus pais
E não como ninguém
Virei adulto
Mas ainda não sou alguém.


Isto um dia foi uma letra de música. Escrevi em 2000 ou 2001. Talvez eu já tenha crescido um pouco desde lá.

No escuro (umtextopordia.blogspot.com)

- Pelo amor de Deus, não faz isso comigo.
- Tu não obedece, agora vai ficar de castigo, fechado no quarto escuro.
- Mas eu tenho medo.
- Por isso que é castigo. Se tu gostasse, eu inventava outra coisa.
- Eu prometo que não faço mais.
- Daí não vai ficar de castigo de novo.
- Mas eu tô prometendo.
- Mas agora tu já fez bobagem. E cala a boca.

Eu tento chorar, tento fugir, tento trancar a respiração e ficar roxo, mas a mãe não vai me perdoar. Ela me atira dentro do quarto e ameaça de me bater se eu acender a luz. Ainda tava na novela das seis, por isso eu sei que vou ficar muito tempo no escuro.

No escuro eu começo a chorar e não enxergo nada. Ninguém enxerga nada. Mas eu sei tudo que tem no escuro. No escuro tem fantasmas, no escuro tem vampiros, no escuro é cheio de monstros. Vou andando bem devagarinho até encontrar a minha cama. Se eu deitar e dormir, posso sonhar que é de dia. Se eu ficar acordado, vou ficar no escuro com todos os monstros que moram nesse quarto.

Vou pra baixo das cobertas e tapo bem a cabeça. Os monstros enxergam no escuro, mas podem pensar que isso é só um monte de cobertas desarrumadas. Tenho que tapar meu pescoço pra nenhum vampiro me pegar. Tenho que parar de chorar, porque os fantasmas e os monstros podem ouvir. Não tenho sono. Não consigo ter sono porque tenho muito medo. Se meu pai soubesse que eu morro de medo do escuro, ia debochar de mim e até me dar uma surra. Tenho medo do meu pai também.

Meu Deus, o cachorro tá latindo no pátio. Deve ter visto algum monstro, vampiro ou fantasma. Os cachorros sentem o cheiro dessas coisas. Eu tenho que parar de tremer e de chorar. Eu tenho que ser homem. Homem não treme e nem chora. Não chora nem quando se machuca muito.

No escuro eu não sei de onde os barulhos vêm. Esse barulho de agora pode ser a minha mãe fazendo comida, mas também podem ser as correntes que algum fantasma carrega. E eu não consigo parar de chorar e de tremer. Eu não consigo me esconder dos fantasmas.

Não sei se no escuro é quente. Tá tão quente aqui que eu nem consigo respirar. Pode ser que um diabo tenha entrado no meu quarto e esteja só esperando eu tirar a cabeça pra fora das cobertas pra me levar direto pro inferno. Ainda mais que a mãe me disse que eu sou tão mau, mas tão mau, que com certeza eu vou pro inferno quando morrer. Eu acho que vou morrer aqui no escuro. Se eu tirar a cabeça debaixo das cobertas pra respirar só um pouquinho, será que eles vão me ver? Não, eu posso ser mais rápido que todos os monstros. Mas espera, se eu abrir só um buraquinho nas cobertas, talvez eu consiga respirar melhor sem ninguém me ver.

Faço um espacinho pro ar entrar e funciona. Já tô conseguindo respirar muito melhor agora. E nenhum monstro me arrancou do meu esconderijo embaixo das cobertas. Queria saber que horas são, queria que o pai chegasse e me tirasse do castigo. Mas ele nunca chega cedo e nunca me tirou do castigo. Escuto a música do Jornal Nacional. Já tá quase na hora de dormir. Mas eu tô com tanto medo que não vou conseguir.

Droga. Chorei tanto que fiquei com soluço. Se algum monstro, fantasma ou vampiro ainda estiver aqui no quarto, dessa vez eu não escapo. Tapo a boca com o travesseiro, mas não consigo fazer todo o barulho parar.

Eu tenho que dormir. Eu tenho que dormir. Se um monstro me pegar dormindo, não tem problema. Quando a gente dorme não sente dor e eles podem me arrancar os meus pedaços que eu não vou nem sentir nada. Ia até ser bom se eles me pegassem dormindo. Amanhã, quando a mãe viesse abrir a porta do quarto, ia encontrar os meus pedaços espalhados pelo quarto e ia se arrepender muito de ter me deixado de castigo no escuro.

Ou ia achar melhor, porque vive brigando comigo. Mas se eles me matassem mesmo, eu ia virar um fantasma e ia fazer muita maldade pra minha mãe. Daí sim ela ia se arrepender de ser tão má comigo.

A noite mais quente do ano (umtextopordia.blogspot.com)

Ela pegava meu pau, apertava minhas bolas e gemia. Gemia alto, fazia muito barulho para o que a gente tava fazendo. Eu aproveitava pra enfiar a mão por dentro do shortinho dela, apertar a bunda, mexer nos pentelhos. Até que ela disse não, é melhor parar, eu não posso fazer isso com o meu namorado.

Porra, eu tava em casa ouvindo futebol no rádio quando ela me ligou. Insistiu pra eu ir na casa dela, que ficava do outro lado da cidade. Só fui porque achei que ela queria me dar, e eu era fissurado nela. A cara era feia, mas o rabo, as pernas e o peito eram legais pra caralho. Como era pra ser só pra uma foda, até que valia pegar dois ônibus.

O papo da mina era completamente absurdo. Tinha pensado que ia conseguir trair o namorado que estava na praia, mas não podia. Era apaixonada por ele. E eu, que vim de Ipanema até o Jardim Lindóia, tinha sido muito importante. Afinal, eu já tinha ficado com ela umas vezes, ela tinha interesse por mim. Se nem assim ela conseguia trair o namorado, era amor de verdade. Eu não tava com o menor saco de questionar. Beijar na boca, levar um vagabundo pra casa, agarrar o pau. Se isso não é trair, meus conceitos estavam meio ultrapassados.

Daí ela queria continuar de agarramento. Eu não queria mais. Vamos dormir, eu disse pra ela. Foi daí que começou a segunda parte do drama. Era a noite mais quente dos últimos tempos e a gente tava dividindo uma cama de solteiro. O ventilador, definitivamente, não dava conta. E aquela mina filha da puta, que não quis me dar, ficou esfregando o rabo enorme no meu pau e dormindo. Tive vontade de bater uma punheta e gozar na cara da cadela só pra sacanear. Pensei melhor. Não valia o desperdício de porra.

Tudo já era suficientemente ridículo até meu siso começar a doer. Nunca doía. Só uma vez por ano. Justo na noite mais quente e mais frustrante, aquela dor fodida resolveu aparecer. Eu suava, me equilibrava na cama de solteiro com uma mina que não era nada mais que um rabo e uns peitos e sentia aquela dor. Tudo muito surreal. O tempo não passava e eu só queria que amanhecesse de uma vez, porque naquela hora eu não conseguiria pegar um ônibus até o Centro e, muito menos, outro até Ipanema.

Quando amanheceu eu tava completamente destruído. Olheiras, dor de cabeça, o saco inchado, a boca doendo. A mina veio toda romântica pro meu lado, mas eu disse desculpe, tenho que me mandar.

Tava descendo no elevador com dois velhos, bem velhos. Apesar dos óculos escuros pra disfarçar as olheiras, acho que a minha cara tava tão horrível que eles não paravam de me olhar. Porra, tio, aquela mina do 703 fode feito uma macaca. E o velho ficou me olhando sem jeito. Foda-se. Eu só queria chegar em casa logo e tomar um remédio pra porra do meu siso.

A máquina de moer cérebros (umtextopordia.blogspot.com)

Era um tempo difícil de arranjar emprego. Há mais de um ano que ele não conseguia nada fixo em lugar nenhum. Trabalhava como temporário cinco meses num lugar, três em outro, ficava sem trabalho nenhum pelo mesmo tempo. Faltava comida em casa, faltava grana pra pagar as contas, o nome estava no SERASA, no SPC, no Banco Central, no mercadinho da esquina. Onde pudesse fazer uma dívida, fazia mesmo. Já não vivia. Sobrevivia.

Era mais um dia sem nada pra fazer quando o telefone tocou. Um sujeito se identificou, disse que tinha boas recomendações e o chamou para uma entrevista. A empresa estava destruída pela crise financeira que tinha atacado o Brasil e acumulava prejuízo em cima de prejuízo nos últimos 12 meses. A entrevista até não foi tão desagradável como as entrevistas costumam ser. Mesmo assim, o quase patrão não bateu martelo. Ficou de ligar nos próximos dias. Enquanto isso, algum biscate e uma grana emprestada dos irmãos ajudavam na sobrevivência.

Já não tinha muita esperança de conseguir o trabalho, nem estava muito animado para conseguir. Pensando friamente sobre a conversa de uns dias antes, chegou à conclusão de que trabalhar naquela empresa podia, no máximo, ser uma merda. Mas o maldito telefone tocou e o sujeito da entrevista o chamou para trabalhar.

A proposta era ficar três meses em teste, porque os últimos a ocuparem a vaga eram muito ruins e foram mandados embora. A grana era o dobro do que ele vinha tirando dos irmãos, mas metade do que costumava receber quando trabalhava em lugares decentes. Por isso aceitou, mesmo que não quisesse. Mesmo sabendo desde antes de começar que ia sofrer. Mesmo com a certeza de que não conseguiria fazer um bom trabalho.

Já no primeiro dia, desconfiou de alguma coisa. Os colegas pouco falavam, pouco riam. Só trabalhavam. Quando viu a lista de trabalhos para o dia é que ele entendeu a tristeza os colegas. E deu a largada numa maratona: trabalhou até tarde no primeiro, no segundo, no terceiro, no quarto, no quinto e em todos os outros dias. Tempo de economia, poucos funcionários fazendo a função de muitos, recebendo um salário miserável e sendo cobrados como se recebessem uma fortuna.

Mas o pior não era isso. O pior era a sensação de vazio dentro da cabeça. No final da primeira semana, não falava, não sorria. Chegava no horário que o patrão cobrava com a fúria de um capitão-do-mato e trabalhava, trabalhava, trabalhava. Um trabalho repetitivo como apertar parafusos numa indústria. De repente, não pensava mais. Aquela porra conseguiu moer seu cérebro. Exatamente como tinha feito com todos os outros que trabalhavam lá.

Guerrilha (umtextopordia.blogspot.com)

Por que o chefe sempre é um idiota? Por que o pessoal do financeiro tem que ser sempre antipático pra caralho? Por que o salário é tão pequeno?

Todos os dias, quando ia para o trabalho, Renato repetia essas perguntas. Dois ônibus, uma hora e cinco minutos e as mesmas três perguntas. Nem as minas gostosas que subiam o ônibus conseguiam tirá-lo de seus questionamentos. Tinha plena consciência de que era pequeno demais pra lutar contra o chefe e o pessoal do financeiro. O salário era só uma consequência dessa condição.

Já que não podia vencê-los, resolveu confundir. Tinha que escolher muito bem o alvo, atacar de surpresa e escapar. Tinha que criar confusão, desestabilizar o inimigo.

Um dia, enquanto cagava no banheiro da empresa, repetia as mesmas três perguntas e pensava em como seria a sua ação, reparou em dois vasos de plantas que ficavam ali e teve a idéia: mijaria naquelas merdas de vasos até secar as plantinhas.

Primeiro, ele passou a cuidar as idas da tia da limpeza ao banheiro. Sempre que ela saía, ele entrava. Queria descobrir quando ela regava as plantinhas e com que periodicidade. Queria saber quando a terra estaria molhada pra dar o jato de mijo sem despertar suspeitas.

Depois de descobrir os dias e horários em que as plantas eram regadas, Renato partiu para a guerrilha. Chegava cedo e começava a beber água. Quando a tia saía do banheiro ele atacava.

Quando as duas primeiras plantas secaram, houve comoção na empresa. A gerente financeira, responsável pela compra das plantas, ficou furiosa. Primeiro culpou a tia da limpeza. Mas como os colegas falaram do carinho com que ela cuidava das plantas, desistiu de tomar uma atitude mais enérgica.

A cada semana, novas plantas chegavam ao banheiro e secavam. Pelos cálculos de Renato, já gastavam mais dinheiro com plantas do que para pagar o seu salário. Em determinado momento, chegaram a desconfiar de olho-gordo ou trabalho de umbanda. Contrataram um pai de santo, que benzeu toda a empresa. Mas como não era nada espiritual, as plantas continuaram morrendo.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Brasil 1 x 2 Holanda


Estava no Bar do Edu, na esquina da Rua Doutor Andrade Pertence com Baluarte, em São Paulo, assistindo o jogo do Brasil com a Holanda pelas quartas-de-final da Copa do Mundo da África do Sul. No intervalo, resolvi ir até em casa buscar a câmera para fotografar a comemoração pela classificação às semifinais. Infelizmente, esqueci de combinar isso com a Holanda, que só precisou de 45 minutos para acabar com a alegria de 190 milhões de brasileiros e desbotar um pouco mais o verde e amarelo.

Olhando as fotos, uma semana depois do jogo, achei que o lindo de de sol e as cores daquele dia não combinavam com o meu sentimento (e o da maioria dos brasileiros) em relação ao jogo. Com uma mexidinha aqui e outra ali, cheguei a uma tonalidade que me parecia mais apropriada.

Montei um slide-show bem básico para ver as fotos em sequencia, coloquei uma música e, quando vi, tinha feito um vídeo sobre um dia triste para o nosso futebol e, mais ainda, para nós, torcedores.

Vamos de novo, Brasil. 2014 é logo ali. Mas é bom abrir o olho: os outros países estão evoluindo muito e cada vez mais organizados. E se nós continuarmos acreditando na mística da camisa amarela, e só nela, a Copa do Mundo no Brasil vai ser mais uma decepção para os milhões de brasileiros que amam a Seleção.

domingo, 11 de julho de 2010

Domingo de GRE-nal (umtextopordia.blogspot.com)

Futebol é muito mais do que o jogo, os 90 minutos, o que você vê. É algo que você sente. Eu tinha seis anos num domingo de 1977. Não lembro o dia, nem a estação, mas acho que não era frio. Era um domingo de Gre-Nal, como hoje, com a vantagem de ser final de campeonato. E meu pai ia me levar ao jogo. Como ele tinha cadeiras no Olímpico, não precisava chegar tão cedo e nem tinha muito atropelo, acho que a gente deve ter esperado uma hora pelo início do jogo.

Com seis anos, não preciso dizer que eu não era um observador muito atento do espetáculo. Ficava mais ligado nos sucos de laranja, cachorros-quentes, amendoins, salgadinhos, nos meus próprios pensamentos sobre forte-apache e desenho animado. Mas olhava o jogo nesse meio tempo. Gostava de ver gols, de gritar Grêêêêêêêê-mio e de chamar o juiz de filhodaputa.

Não lembro de nada da final do Gauchão de 77: só lembro do gol do Grêmio. Ou melhor, da comemoração. Depois de marcar o gol que ia acabar com 8 anos sem ganhar campeonato, André Catimba deu um mortal. O foda é que ele teve uma distensão quando saltou. Na minha memória de guri de seis anos, foi aquilo que ficou: o sujeito voando muito alto, mexendo as pernas e depois se arrebentando no chão enquanto todo mundo gritava e pulava e abraçava o sujeito do lado, mesmo que ele fosse alguém que nunca tivesse visto mais gordo. A lembrança desse momento é tão intensa, mas tão intensa, que parece ter duas horas.

O André Catimba saiu do jogo de maca depois do gol. Fiquei olhando até ele entrar no túnel. Tinha esquecido do jogo. Fiquei vendo aquele sujeito que voou tão alto, tipo personagem de desenho animado, sair carregado de campo. E lembro da festa quando o jogo acabou, o Grêmio campeão depois de oito anos de espera (felizmente, eu só tive que esperar seis). A galera invadindo o campo e eu pedindo pro meu pai pra gente entrar também. Ele disse que eu ainda era muito pequeno pra isso e me levou pra casa. E foi um dos melhores dias da minha vida.

Sorte hoje, Grêmio. Pena que eu não vou poder ver esse jogo.

Da lixeira de Nelson Rodrigues (umtextopordia.blogspot.com)

- Caramba!

Era noite de domingo e, no intervalo de um programa de debates sobre futebol na TV, Alberto chegou a gritar quando se deu conta do que estava acontecendo na sua casa. Angélica, antes linda, disposta e tão amável, tinha se tornado uma verdadeira bruxa com o passar dos anos. Andava pela casa sempre com um vestido velho, os cabelos despenteados e sujos, um humor horrível. Pouco abria a boca quando os dois estavam em casa. E, quando abria, era para reclamar de Alberto, dos parentes, dos vizinhos ou do emprego. Alberto, infeliz mas resignado, ouvia com atenção. Era melhor fingir que estava ouvindo alguma coisa do que ouvir, de verdade, os xingamentos que Angélica disparava quando o sentia indiferente a suas queixas.

Angélica tinha se transformado no que ele e os colegas de repartição pública chamavam de mulher mal-comida. Aliás, não se limitavam a deduzir como seria a vida sexual das colegas por causa de seu comportamento no trabalho. Eles costumavam ir mais longe, imaginar o dobrado que os pobres maridos deviam cortar em casa. E odiavam esses sujeitos que, por não comerem suas mulheres direito, mandavam verdadeiras feras para a repartição.

Foi então que Alberto se deu conta que, se Angélica hoje era um retrato fiel do que ele e seus amigos chamavam de mulher mal-comida, isso se devia à sua própria incompetência. Quis resolver o problema imediatamente, mesmo que isso o fizesse perder a última parte do programa de debates esportivos na TV.

A bruxa dormia ao seu lado, suando, o hálito começando a azedar. Tentou acariciá-la, ela virou para o lado. Quis abraçá-la, mas ela escapou. Como último e desesperado recurso, falou suavemente no ouvido de Angélica.

- Você não quer, querida?
- Sai pra lá, Alberto. Me deixa dormir.

Sentiu um alívio ao ver que a mulher não queria absolutamente nenhum contato com ele. Podia voltar a assistir sua TV sem a menor culpa. E pensar que, a partir de amanhã, os colegas de trabalho é que teriam que passar a semana inteira aguentando aquela bruxa.

Sexta-feira (umtextopordia.blogspot.com)

Esperava ansiosamente o relógio marcar 18h45min naquela sexta-feira. Era, teoricamente, o horário em que saía do trabalho. Poucas vezes tinha conseguido. E em nenhuma delas tinha desejado tanto conseguir.

Saudade da mulher. Muita saudade. Andava trabalhando demais, muito cansado e com o humor estragado pela falta de dinheiro. Mas chegar em casa acalmava. Uma vez ele ouviu falar que, durante tempestades com muitos trovões, os fazendeiros colocavam uma ovelha junto com os cavalos no estábulo. Assim eles não ficavam muito furiosos.

Talvez ela fosse a ovelha dele.

Na verdade, era mais que isso. Era tudo que ele sempre quis e demorou muito tempo para encontrar. Era o seu chão. Não queria perdê-la, não queria perder um minuto do tempo que ele calculava que ainda tivessem para ficar juntos.

O trabalho era muito chato. Há anos ele fazia a mesma coisa. Às vezes mais, às vezes menos, mas sempre bastante. Nunca trabalhou pouco em nenhuma das empresas onde esteve. E, depois de conhecê-la, podia dizer que tinha trabalhado única e exclusivamente para deixá-la orgulhosa. Não queria nunca que a mulher o considerasse um vagabundo.

Despachar alguns documentos aqui, atender umas ligações ali. Uma sexta-feira tranquila.

Às 18h45min ele já estava no elevador. Foi pra casa e encontrou a mulher, a filha mais nova e o neto. Era bom ter uma família em casa. Café, Jornal Nacional, novela, um filme qualquer na TV. O neto e a filha dormiram cedo. Ele e a mulher ficaram acordados até tarde.

A vida assim, tão simples e sem grandes ambições, pode ser muito boa. Pelo menos foi o que ele pensou quando deitou ao lado da mulher e dormiu da mesma maneira que dormia desde que casaram, fazia mais de trinta anos.

Tranquilo. Muito tranquilo.

Gerônimo (umtextopordia.blogspot.com)

Gerônimo

Gerônimo era o nome do cavalo do meu pai. Quando eu nasci, o Gerônimo já puxava a carroça do meu pai.
Eles catavam garrafa e ferro velho pra vender, levavam a mudança dos nossos vizinhos, o que desse pra fazer
com uma carroça, o pai e o Gerônimo faziam.

Às vezes eu acho que o Gerônimo é que sustentava a nossa família. O pai bebia pra caramba, não conseguia
nem andar. Mas quando pegava a carroça, o Gerônimo já sabia o caminho. Ia passando pelas ruas onde o
pai recolhia garrafas e, às vezes, eles até encontravam alguma coisa. Daí levavam no ferro-velho e pegavam
alguma grana. Não faltava comida em casa. Quase nunca.

Se comparando com os outros vileiros a gente até que tinha sorte, numa coisa era igual a todos os outros
maloqueiros. Acho que ninguém nunca cozinhou um pedaço de carne na nossa vila. Meu pai morreu e a
gente nunca fez um churrasco lá em casa. Carne, só quando sobrava, azedava e alguém oferecia pra gente.
Tinha que aceitar. Porra, quem não aceitaria.

Quando o pai morreu, fiquei com a carroça. Como eu já ajudava o pai com o trabalho, conhecia todas as
quebradas. Ganhava algum dinheiro - o suficiente pra sustentar a mãe e minhas irmãs. Daquele jeito que
o pai sustentava, com quase nada. Arroz, feijão, farinha, leite e era isso. Nada mais. Às vezes as minhas
irmãs traziam uma carne das casas onde trabalhavam. Mas sempre naquele esquema quase podre. Foda-se,
era carne e a gente comia.

Comi uma vizinha e ela embuchou. Além da mãe e das minhas duas irmãs, agora tinha que sustentar mais
a vizinha, que foi morar com a gente. Eu não gostava muito dela, mas também não conhecia nenhuma outra
mina da vila que desse pra casar. O Gerônimo e eu começamos a sair mais cedo pra trabalhar, e a voltar
bem mais tarde. E conseguimos alimentar as quatro.

Quando nasceu uma menina, vi que eu tinha uma sina muito fodida. Engordar mulher pra outro vagabundo comer.
Até minha mãe tinha se amigado com um velho cachaceiro e ele andava enfiado na nossa maloca.
Eu tinha que agüentar.

O Gerônimo não.

A menina nasceu na sexta e vinha pra nossa maloca no domingo, perto do meio-dia. O Gerônimo morreu
no sábado, depois do trabalho. Ele morreu meio longe da vila, num mato onde a gente parava pra ele pastar antes
de ir pra casa. Corri até a vila e chamei um parceiro que trabalhou uns tempos num açougue. Ele descolou umas
facas fodidas de tão afiadas e a gente se mandou pro mato. O Gerônimo ainda nem tinha esfriado. Meu parceiro
tirou um doze quilos de carne dele, limpou e a gente correu de volta pra vila, pra guardar os pedaços do Gerônimo
na geladeira.

Quando a menina chegou, no domingo, teve uma recepção de princesa. Fiz um churrasco e convidei todos os
vizinhos. O meu parceiro que carneou o Gerônimo me ajudou a assar.

Lost in SP

O Depósito de tudo se propõe a armazenar as coisas que eu já escrevi e não gostaria de perder. Tive outros blogs antes, mas não lembrava as senhas e acabei deixando de atualizá-los. Ou simplesmente abandonei.
Lost in SP era escrito anonimamente e durou três meses, na minha primeira experiência em São Paulo, entre 2004 e 2005. Eu escrevia sobre restaurantes, mulheres, trabalho e sobre uma saudade de Porto Alegre que eu não sinto mais.
Se você tiver uns minutos, divirta-se com a minha caipirice.

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Setembro/2004

Seria melhor responder que não sabia
- O Praça da Bandeira passa aqui?
- Passa.

Pobre tiozinho, com um envelope de papel pardo cheio de documentos. Com tanta gente na parada de ônibus, pedir informação justo pra mim. Gaúcho, recém-chegado, que nem sabe direito como chegar no trabalho.

- Depois que inauguraram esse Passa-Rápido, ficou complicado, né?
- É.

Tomara que o Praça da Bandeira seja o Terminal Bandeira. Ou o pobre do tiozinho ainda deve estar lá na Santo Amaro, debaixo do maior sol. Talvez o envelope já esteja molhado de suor, os documentos borrados. Talvez o velho tenha morrido com o excesso de poluição no ar.

Caramba, só o que eu não precisava agora era ser acusado de homicídio.


Onde levar um amigo
Um amigo gaúcho chega a São Paulo e me convida para tomar uma cerveja. É bom ter amigos, mas agora eu tenho dois problemas.

Problema número 1: eu não bebo.
Problema número 2: eu não conheço absolutamente lugar nenhum.

Tenho até amanhã para descobrir um lugar.


Já sei
Posso levar meu amigo na padaria ou no supermercado lá perto de casa.
Nos outros lugares daria um certo problema: na Avenida Santo Amaro, o único tipo de casa noturna é puteiro ou bingo.
Melhor continuar pensando.


Malaysian
Tem um lugar onde eu almoço que vira balada à noite.
O nome do lugar é Malaysian.
Metido, como todos os lugares em SP.

A hostess da hora do almoço é uma tremenda gata.
A da noite é melhor ainda.

Quem sabe não levo meu amigo lá?


Gatinhas na hora do almoço
Falando do Malaysian, fui injusto com outro lugar onde almoço.

O Quatrotto fica na Gomes, na Vila Olímpia. A comida é honesta e a menina do caixa é uma das moreninhas mais bonitas que eu vi nos últimos trinta e poucos anos.

Tem uma garçonete alternativa interessante também.

Mas a campeã é mesmo a Dani.


O drama continua
Ainda não sei onde levar meu amigo para tomar uma cerveja. Pra ele tomar uma cerveja, porque eu vou continuar bebendo refrigerante que não me dá ressaca.

O Cardoso, que fica na Cardoso de Melo, é um lugar legal para sentar e tomar uma cerveja. E tem um movimento legal à noite. O problema é que almocei lá hoje.

Se voltar, parece até que tô batendo ponto.

A vantagem do Cardoso é que sempre tem umas mulheres bonitas por lá. A da vez hoje era uma japinha. Japona, porque era bem mais alta que a média das japonesas nessa cidade.


Canalhice
É incrível como a gente foge dos canalhas, mas a canalhice deles continua incomodando.

Mesmo numa distância segura de mais de mil quilômetros, as coisas que ouço dos maus e velhos canalhas de Porto Alegre continua me incomodando.

E, mesmo assim, eu amo aquela porra de cidade.

Como diria meu velho, "Essa gente não merece uma bomba atômica. Merece uma bomba de merda".


Moça Bonita
Apesar do nome desse simpático barzinho na Rua Quatá, o público feminino é bem mais maduro do que poderia parecer. Na sexta passada, os turistas (meu amigo e eu) podiam observar mesas cheias de mulheres bem-sucedidas em seu happy-hour.

Na melhor falta de estilo dos homens, falam e riem alto demais e seu charme vai esvaziando tão rapidamente quanto os copos. Deu tempo de ver algumas coroas começando a atacar os bacanas que fumavam charuto no bar.

Mesmo assim, ter ido até esse barzinho valeu a pena. Pela conversa com um bom amigo e pelas amigas em comum que apareceram para buscá-lo e conversaram um pouquinho comigo também.

Grande parceria num bar nem tanto.

Pelo menos para o meu gosto.


Evite o Japonês da Quata
E já que o assunto é a Rua Quatá, não custa recomendar que você, amigo perdido em São Paulo, não apareça na hora do almoço num japa que tem por ali.

Além da rua ser deprimente durante o dia - feia e suja demais - a comida consegue ser pior ainda.

E para quem não aguenta desperdício de rango, como eu, a coisa piora. O prato é gigante e ruim. Não tem o que salve.

Como diria o Bóris Casoy, é profundamente lamentável.

Talvez seja melhor à noite. Talvez não.

E para quem quiser saber se tem mulheres por lá, tá certo que eu fiquei de costas para o salão. Mas nem que a Gisele Bundchen fosse garçonete o rango seria melhor.


Santa Marcelina
Pertinho de casa, na Vereador José Diniz, esquina com a Bela Vista, tem uma padaria que faz a minha felicidade.

Ou melhor, tem um império.

Ali na Padaria Santa Marcelina eu encontro pãezinhos legais, docinhos legais, cigarros, kinder ovo e o que mais a gente precisa pra ser feliz. Pelo menos quando gosta de pães e doces.

Logo do lado tem a Pizzaria Santa Marcelina, que está sempre cheia pra caramba. Chamei umas pizzas lá em casa e são simplesmente as melhores que eu comi desde que cheguei aqui. Ok, não melhores que a do Brás.

Mas, também, quem manda o Brás não entregar pizzas lá onde eu moro? Perdeu o posto.

Pra completar o império, tem o hortifruti Santa Marcelina. Frutas e verduras maravilhosas (dizem, nunca fui) e uma banca de peixe onde 400 gramas de sashimi de salmão, atum ou linguado custam 14 reais. É só ligar pro japinha e encomendar pra pegar depois. Os sushis eu ainda não experimentei, mas tô levando fé.


"Não há bem que não acabe. Nem mal que dure pra sempre."

Porto Alegre estava em festa no final da tarde de sexta. Fora o feriado nesta segunda, Revolução Farroupilha, um dos maiores pilantras da cidade perdeu o emprego.

E o melhor, foi substituído por uma das pessoas mais legais de lá.

Ganha todo mundo, apesar dos muitos canalhas que sobrevivem na cidade.

Mas, citando o ditado popular, é melhor abrir o olho. Não dá pra deixar o pilantra reassumir um posto legal.


Lost in São Caetano
Não vi o jogo do Grêmio contra o São Caetano no sábado. E nem precisava, porque já tinha uma noção da tragédia pela escalação: três zagueiros, três volantes e dois alas que jogando sua primeira partida pelo glorioso.

Não precisa ser muito bom em matemática pra saber que eram oito jogadores defensivos. E só um e meio no ataque, porque o Negão tá jogando no sacrifício de novo - sacrifício duplo: lesão e jogar no Grêmio.

Levar só dois do São Caetano, dentro desse contexto, até que não foi um resultado dos piores.

Ficar em penúltimo só pelos critérios de desempate é justo.

O Grêmio tá perdido. Em São Caetano, em Porto Alegre, em São Paulo, em Florianópolis, em Salvador ou em qualquer outro lugar onde jogar.

Azar o nosso.


Isso que é ser perdido em São Paulo
Falando em saudade da minha mulher, pensei na ironia da minha vida:
três ex-mulheres morando aqui e a minha mulher atual em Porto Alegre.

Alguém pode estar mais perdido do que eu nesta cidade?

Reebok Fitness Center
Na Rua das Olimpíadas tem uma academia da Reebok. A mensalidade é uma pequena fortuna. E a turma ainda deixe o carro num estacionamento que custa dez contos.

Pela porta da academia é o maior entra e sai de mulheres bonitas e saradas.

Mas a única mulher que realmente me interessa não entra e nem sai dali. E nem está aqui nessa cidade.

É a minha mulher.

Saudade.

É isso que me deixa perdido aqui em São Paulo.


Dá-lhe, Grêmio!
Ontem eu não consegui sair do trabalho em tempo de ver todo o Gre-Nal, com a transmissão desinformada e deprimente do SporTV. Cheguei em casa e o segundo tempo já tinha começado.

Mas deu tempo pra ver o Grêmio amassar o colorado e ainda cagar os safados a pau. Meus amigos colorados que assistiram ao jogo ontem tiveram que deixar as cuecas no estádio pra não pagar mico em casa.

Tem mais um Gre-Nal este ano. Tomara que eu consiga ir a Porto Alegre pra assistir. Tenho certeza que tá começando uma série invicta que, mesmo que a gente caia pra segunda divisão, vai durar anos.

Que saudade de ir ao Olímpico ver o tricolor jogar, mesmo com um time fraco como o atual.


Outubro/2004
2º Turno

Nada como um governo teoricamente de esquerda pra deixar a direita forte, poderosa e se achando.
Aqui a Marta vai dançar. Em Porto Alegre a coisa também ficou feia.

Já falei pra minha mulher: se o Fogaça ganhar em Porto Alegre, não tenho motivo nenhum pra morar lá. Além do cara ser um bosta como político, é autor de algumas das músicas mais infames do cancioneiro gaúcho. Vento Negro, Porto Alegre é demais. Puta que pariu.

Você votaria pra prefeito no autor de uma estrofe dessas?

" Nas manhãs de domingo
Esperando o Gre-Nal
Passear pelo parque
Num alto-astral"

O pior é que minha própria mãe votou nesse idiota no primeiro turno.


Feriado prolongado
Tem faltado tempo para escrever.
O feriado prolongado em São Paulo foi como o nome do blog.
Perdido.
Muito trampo e pouco aproveitamento.
Daí eu me pergunto: por quê?


Don Duda's
Trash total. Possivelmente, o quilinho mais barato da Vila Olímpia.
A aparência é medonha, mas a comida não é ruim.
No finalzinho do buffet, o melhor fica esperando. Torresmos gigantes.
Talvez aqui seja assim. Lá em Porto Alegre, quando meu pai comprava, era bem menor.


Vivendo e aprendendo
Há cinco meses que a imagem da TV lá de casa era uma bosta.
Primeiro, consegui acertar o PS2. Segundo o Pedro, nunca a imagem foi tão boa.
Terça-feira, num acesso de fúria, cortei uns pedaços do cabo. Fazia tempo que eu tava achando que ele estava quebrado.

Não é que funcionou?
Nunca tinha visto um jogo de futebol com a imagem tão boa. Pena que os milionários não estavam nem um pouco afim de jogar bola ontem.


É perigoso ficar na fila
Foi ali na rua Alvorada, pertinho aqui do trampo, que um debilóide atropelou 16 ou 17 na fila da balada. Esmagou uma mina na parede, deu ré e saiu fora.
Caralho, como se já não fosse ruim passar um tempão na fila, agora tem mais isso.


Superpop
Amoço no Qualyfruit hoje. Na mesa do lado, Luciana Gimenez, ex-Mick Jeager, atual do vice-presidente da Rede TV.
A mulher chegou de jaqueta jeans branca e óculos escuros.

Vendo que ninguém reconheceu, tirou os óculos e a jaqueta. Ficou de blusinha branca.
Mesmo assim, ninguém reconheceu.

Ok, a mulher é burra, talvez golpista.

Mas é muito bonita, talvez linda.


Novembro/2004

Os inimigos estão no poder

Em Porto Alegre, deu PPS. O Rio Grande do Sul já era do PMDB.
Vim pra cá a trabalho, mas tô começando a pensar sinceramente em pedir asilo político.
Se bem que pra ficar na mão do PSDB, sei não...


Marqueteiros
A cada eleição, alguém se acha um gênio porque estava fazendo a campanha do candidato que se elegeu.
Mas a cada eleição a gente vê que os programas políticos e a propaganda eleitoral em si são mais caretas.

Será que os caras se orgulham de fazer uma comunicação tão sem graça ou o que vale mesmo é gritar depois de pôr o ovo, por menor que ele seja?

Ah, nada como a política pra gente não entender absolutamente nada...


Menos perdido
Minha mulher veio para São Paulo no feriadão. Alugamos um carro e nos perdemos menos do que das outras vezes.
Achei estranho, porque alguns caminhos para alguns lugares eu até tô sabendo.
E olha que o caminho que eu mais faço desde que cheguei é de casa para o trabalho e do trabalho para casa.
O resto das coisas que dizem que São Paulo tem, pra mim, é lenda.


Listas
Depois do Alta Fidelidade, listar qualquer coisa parece plágio de Nick Hornby. Mas hoje, com a chuva, o trânsito e tudo que eu tenho pensado sobre estar aqui, fiz rapidamente duas listas de cinco motivos. Cinco pra ir embora, cinco pra ficar.
Independente da lista, continuo por aqui.


5 motivos pra querer ficar
Meu filho, que mora aqui.
O trabalho que é melhor que lá.
As possibilidades lá, que são piores do que aqui.
O novo prefeito e o governador.
As pessoas, essas fodem Porto Alegre.


5 motivos pra ir embora
A minha mulher, que tá em Porto Alegre.
O resto da minha família, idem.
Os jogos no estádio do meu time.
Uma cidade onde eu conheço tudo.
O trânsito.


Black Moon
Putas são minas que você não comeria nem de graça.

Pelo menos, as que a gente vê na Santo Amaro.


Deve ser falta de talento mesmo
Eu acho até que sou um cara esforçado.
Mas propaganda é como futebol: o esforçado acerta uma vez na vida, outra quando está quase se aposentando.


Fight Club Game
Obviamente, esse é o jogo que eu tô esperando mais ansiosamente desde que ganhei o PS2.
Minhas duas personalidades ficaram loucas com o trailler.
E o carinha do Stand Center já tá avisado que é pra guardar um pra mim logo que chegar.


Papillon
"Perca todas as esperanças e não se masturbe muito. É bom não gastar muita energia."

Essa frase serviria para qualquer publicitário, mas é o conselho do guarda quando o Papillon vai passar dois anos na solitária.


Mais sobre futebol
Segue a jornada inglória do Grêmio rumo à segunda divisão do campeonato brasileiro.
O time ganhou oito partidas em 40. Agora precisa ganhar as seis partidas que faltam.

Tô rezando por uma catástrofe natural de proporções gigantes que faça o campeonato parar. É o único jeito de não cair.


www.adonline.com.br
Não tem abosulatamente nada de novo no site onde eu vejo as notícias sobre propaganda lá da minha terra.


Questionamentos
Por que é tão difícil fazer o 25º spot de rádio para o mesmo produto?


Salucci
Não que eu tenha leitores, mas se alguém anda com saudade das curiosidades culinárias, a galera daqui vive pedindo esse tal Salucci. Seria um Beirute como qualquer outro, mas os caras enrolam como uma panqueca.
Só de olhar já deixa o estômago pesado.
Mas os caras se esforçam pra dizer que é um rango saudável.


Lost in NY
Def Jam Fight For NY é um dos melhores jogos que o meu PS2 já rodou.
Ok, WE8 e NBA Street (vol 1 e vol 2) continuam sendo meus preferidos.
Os jogos de luta são sempre para o meu filho e eu acabo jogando para destravar cenários e jogadores.
Mas esse eu comecei a jogar e não consigo parar. E não consigo dormir. E não consigo acordar.
Isso vai acabar dando problema no tampo.
Mas quem se importa com trabalho, quando pode ser o melhor lutador de rua do submundo de NY?


Opções
O bom criativo é o que produz muito para qualquer job.
Job: spot de rádio
12 opções pra começar.
3 caminhos para desenvolver.
8 opções no final.
O trabalho volta.
É só uma locução com o jingle de lançamento como trilha.

Por que não avisam antes?


Torna-se um problema
Acho que a gente precisava de pelos menos umas duas mulheres na nossa criação.
Fui criado por quatro mulheres, gosto da energia delas.
E acho que, sem mulheres, a cara do trabalho acaba ficando muito machista.
Pode parecer boiolice, mas me incomoda escrever ou ver um anúncio ou comercial com a palavra mulherada.


Vida útil de criativo
Daqui a pouco já vão ter passado 15 anos desde que eu comecei no meu primeiro estágio como redator.
Redator é o que me disseram que eu ia ser.
Fiz muito past-up, xerox, montei pastas.
No último dia (eu me demiti do estágio) fiz um anúncio pavoroso, um texto de cabine e um texto 20 palavras (isso só existe em Porto Alegre).

Hoje em dia, não sei se aguento mais 15 anos.

Se eu tivesse concluído o curso superior, viraria planejamento.


Te vi na TV
O teste de fidelidade do programa do João Kleber (Canal 21), sendo ou não armação, é um dos programas mais constrangedores da TV brasileira.
Ontem o traíra esbofeteou a atriz, atirou um buquê de flores na (ex) mulher e tentou brigar com um travesti.
Dormi como um anjo depois de ver aquilo.
Aliás, sou um anjo.


perguntas nunca respondidas
Por que os chefes sorriem quando dizem que a gente vai trabalhar no feriado?


Hoje você fica no barril
É cada vez mais difícil encontrar mulheres na criação.
Aqui no escritório, desde que cheguei, não encontrei nenhuma.

Conversamos sobre isso no almoço de ontem.

Uns defendem a teoria de que o ritmo, a vida sem qualidade e a total impossibilidade de manter um relacionamento e, quem sabe, constituir família, acabam afastando as mulheres desse trampo cada vez menos nobre.

Se isso for verdade, temos mais uma prova de que as mulheres são mais inteligentes do que nós.


Para quem eu nunca pediria emprego - Volume 1
Pessoas com as quais você não trabalharia nunca existem em todos os lugares. Na medida em que eu for lembrando, vou escrevendo. Pensei em dois nomes pra começar.

São Paulo - Stalimir Vieira
Porto Alegre - Fernando Garros

Em certos casos, o desemprego é mais digno.


Múmias de pantufas
É incrível como a maneira mais careta de ver a vida sobrevive mesmo num ambiente onde se busca o novo incansavelmente.


A conexão entre prostituição e tráfico de drogas
Todo mundo acredita sinceramente que a prostituição e o tráfico de drogas são irmãos gêmeos.
Inclusive eu.
Mas, morando a poucas quadras do Red Light da Santo Amaro, descobri que a coisa não é bem assim.
Dei um rolê numa noite, conversei com todos os porteiros.
Descobri que na Água Espraiada tem produto.
E descobri que todos os porteiros são parceiros pra fumar um.
Agora, traficante, nem sinal.


Ja dizia Robby Rosa
Depois de ser vaiado incessantemente no show de abertura do Faith no More, Robby Rosa (o ex-Menudo e que tinha uma banda chamada Maggie's Dream) lascou com sua vozinha fina:

- Porto Alegre. Porto Triste.

Fui pra lá no feriado, encontrar minha mulher e visitar a família. Falei com alguns colegas de profissão e tá todo mundo desanimado.

É… Robby Rosa tinha razão


Sexytime
Será que alguém ainda consegue bater uma punheta vendo o Sexytime do Multishow?
Sei lá, mostra mais a anatomia feminina do que antigamente. Mas é tudo muito fake.
Falta as duas mulheres se pegarem com vontade, demorar mais naquele close do posterior completo.

Nem sozinho em São Paulo eu consigo me inspirar.


Tempinho muquirana
Voltei do feriado e o tempo tava uma bosta aqui em São Paulo. E parece que não vai melhorar nunca.


Gostaria de ter escrito isso
" Gafanhotos nunca tomam de quem tem
Predadores, senhores que mentem
Esperem sentados a rendição
Nossa vitória não virá por acidente"