terça-feira, 13 de julho de 2010

A máquina de moer cérebros (umtextopordia.blogspot.com)

Era um tempo difícil de arranjar emprego. Há mais de um ano que ele não conseguia nada fixo em lugar nenhum. Trabalhava como temporário cinco meses num lugar, três em outro, ficava sem trabalho nenhum pelo mesmo tempo. Faltava comida em casa, faltava grana pra pagar as contas, o nome estava no SERASA, no SPC, no Banco Central, no mercadinho da esquina. Onde pudesse fazer uma dívida, fazia mesmo. Já não vivia. Sobrevivia.

Era mais um dia sem nada pra fazer quando o telefone tocou. Um sujeito se identificou, disse que tinha boas recomendações e o chamou para uma entrevista. A empresa estava destruída pela crise financeira que tinha atacado o Brasil e acumulava prejuízo em cima de prejuízo nos últimos 12 meses. A entrevista até não foi tão desagradável como as entrevistas costumam ser. Mesmo assim, o quase patrão não bateu martelo. Ficou de ligar nos próximos dias. Enquanto isso, algum biscate e uma grana emprestada dos irmãos ajudavam na sobrevivência.

Já não tinha muita esperança de conseguir o trabalho, nem estava muito animado para conseguir. Pensando friamente sobre a conversa de uns dias antes, chegou à conclusão de que trabalhar naquela empresa podia, no máximo, ser uma merda. Mas o maldito telefone tocou e o sujeito da entrevista o chamou para trabalhar.

A proposta era ficar três meses em teste, porque os últimos a ocuparem a vaga eram muito ruins e foram mandados embora. A grana era o dobro do que ele vinha tirando dos irmãos, mas metade do que costumava receber quando trabalhava em lugares decentes. Por isso aceitou, mesmo que não quisesse. Mesmo sabendo desde antes de começar que ia sofrer. Mesmo com a certeza de que não conseguiria fazer um bom trabalho.

Já no primeiro dia, desconfiou de alguma coisa. Os colegas pouco falavam, pouco riam. Só trabalhavam. Quando viu a lista de trabalhos para o dia é que ele entendeu a tristeza os colegas. E deu a largada numa maratona: trabalhou até tarde no primeiro, no segundo, no terceiro, no quarto, no quinto e em todos os outros dias. Tempo de economia, poucos funcionários fazendo a função de muitos, recebendo um salário miserável e sendo cobrados como se recebessem uma fortuna.

Mas o pior não era isso. O pior era a sensação de vazio dentro da cabeça. No final da primeira semana, não falava, não sorria. Chegava no horário que o patrão cobrava com a fúria de um capitão-do-mato e trabalhava, trabalhava, trabalhava. Um trabalho repetitivo como apertar parafusos numa indústria. De repente, não pensava mais. Aquela porra conseguiu moer seu cérebro. Exatamente como tinha feito com todos os outros que trabalhavam lá.

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