Eu sou um escravo. Ou, pelo menos, é isso que meus superiores acham. Não me pagam o suficiente pra comer ou pra ter muitas roupas, exigem muita produtividade e, se pudessem, com certeza me açoitariam quando faço algo que os desagrada.
Eu sou um escravo. Aceito quieto todas as humilhações que meus chefes, ou as pessoas de confiança dos meus chefes, tentam me submeter. Vivo assustado com as ameaças, não quero nunca ter que enfrentar a sua fúria.
Eu sou um escravo. Não posso fazer o que gosto, pelo menos, não posso fazer o que gosto no meu trabalho. Minhas crenças são ridicularizadas e proibidas, meus hábitos não são respeitados, minha cultura é desprezada.
Eu sou um escravo. Qualquer coisa que eu fale ou faça é desconsiderada. Todos os créditos vão para os meus chefes e as pessoas de sua confiança. Acho injusto, quero fugir. Mas pra onde eu posso ir, se não existem mais negros fujões que possam me ajudar?
Foi pensando em tudo isso que eu criei o meu próprio quilombo. Ou meus próprios quilombos.
Meu quilombo é qualquer coisa que me dê a sensação de liberdade.
Pode ser o cigarro, que não posso fumar na minha sala e nem no prédio. É por isso que, ao contrário dos quilombos que ficavam em lugares altos, o meu fica no térreo. Quando o sinhô e seus capatazes enchem muito o meu saco, vou até o térreo, saio do prédio e acendo um cigarro. São cinco minutos, talvez. Mas são cinco minutos em que eu sou eu, em que eu sou livre.
A internet é meu outro quilombo. Esse, sim, pode acabar me rendendo consequências desastrosas. É na internet que eu me refugio quando o feitor me obriga a fazer alguma coisa que nem ele mesmo sabe o que é. É uma pesquisa, sim, mas eu posso aproveitar para ir a lugares onde o sinhô não deixaria.
Meu quilombo pode ser um baseado. Cedo de manhã, ou na hora do almoço, ou no meio de um serão. Porque o sinhô pode destruir meu corpo, mas não pode segurar a minha mente.
Aliás, meu quilombo de verdade fica dentro da minha cabeça. Ali, sim, protegido pelo meu crânio bem duro, fica o único lugar onde o capitão-do-mato não me alcança, onde eu sou mais forte, mas feliz.
E, como Zumbi, prometo que do quilombo da minha cabeça ninguém vai me tirar. E se algum dia eu me sentir ameaçado, cercado, perdido, seguro meus negros pela mão e pulo em direção à morte. É muito melhor do que entregar a minha liberdade.
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